26.4.20

Dia 40: por Aimée Ayres


Porto Alegre, 26 de abril de 2020

Acordei com preguiça e sem ressaca apesar das doses de caipirinha e juropinga do jogo de ontem. A dor na garganta me deixou preocupada, mas lembrei que o ventilador passou a noite ligado.

Descobri que estava com saudade do carioquês e tive uma overdose na reunião-online-para-cantar-parabéns. Há um ano em Porto Alegre e segundo aniversário longe e sem contato – mas dessa vez tenho meus housemates. 

Com dificuldade em estudar à distância e, para diminuir os custos, tranquei quase todas as cadeiras da faculdade. Antes do modo caótico começar, estava ansiosa com a grade que havia montado, a distância só estragou. A quarentena foi adotada pela universidade no dia em que comecei o estágio novo. Lembro que perguntei ao rapaz do laboratório se ainda ia abrir em algum horário – pensei agora que isso foi ridículo.

Agora já são quarenta dias saindo só para mercado e farmácia – e duas idas ao psiquiatra que logo se tornaram sessões virtuais. Quarenta dias de “hoje vou começar a ler aquele livro” e “preciso escrever algo” e “a carne tá cara, vou comprar outra coisa” e “puta merda o tomate tá quase 9 e o alho quase 35” e “preciso fazer mais tatuagem quando isso acabar” e “preciso economizar” e “esse tesão acumulado” e “o cartão do Banrisul que não chega para eu sacar a bolsa” e “caraca! Todo mundo tá doido pra fazer tatuagem”.

Uma placa me acompanha desde que vim pro sul. Não consigo fazer metade das coisas que queria, mas comprei uma mesa para trabalhar em casa e, sentada nela, consigo ver as cores do pôr do sol por entre os prédios e o telhado feio de amianto do vizinho enquanto finalizo as tarefas do dia. Pelo menos esse gosto pelo pôr do sol ainda persiste. Que eu siga resiliente.

Um comentário:

  1. Muito bom texto!!!
    O carioquês serve prá aproximar,a plaquinha resiliência prá lembrar e o pôr do sol aquece o peito e as memórias. E o telhado feio de amianto é só poluição visual, não atrapalha nada. Amei seu texto.

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