7.5.20

Dia 51: por Marisa Piedras

Não gosto dessas noites caseiras em que tenho uma imensidão de sentimentos inúteis e palavras úteis para discutir dos quais somente os boêmios poderiam me entender. Ver as luzes naturais se apagarem e as artificiais se acenderem sem a mais dúbia sensação de que posso sentar numa mesa de um boteco qualquer e tomar uma ceva gelada sentindo o cheiro e as luzes da noite chegarem vai criando subterrâneos por dentro de mim. Viver esses dias ensolarados e cheios de receios me causam uma espécie de aversão, se, pelo menos, chovesse, ficaria mais fácil ficar em casa. Nas poucas vezes em que consigo sair no dueto: supermercado e farmácia sou sufocada a uma máscara, abraçada a solidão e tremo a menor respiração por perto de mim. Ver as manhãs começarem tardiamente me deixa feliz, quando em dias normais, estaria numa sala de aula atordoada e feliz pelos sons das vozes dos adolescentes. Um detalhe: eu havia ganhado a minha aposentadoria um mês antes do início do isolamento. Assim, fiquei numa espécie de purgatório presa entre o antes e um depois que não aconteceu ainda, que era aproveitar a minha aposentadoria. Sou labirinto e solidão nesses dias estáticos. Espero o anoitecer para sentar na frente de casa, olhar as estrelas tomando um vinho quando eu queria era dançar muito num boteco bem apinhado de gente. As lives me cansam, ver a vida dos outros em qualquer tela me enfastia, assim como me deixa exausta as mil dicas para sobreviver em casa, não me adapto a nenhum delas. Sinto-me igual à música do Nando Reis, “eu não vou me adaptar, me adaptar / Eu não tenho mais a cara que eu tinha…” No meu caso, não tenho mais a vida que eu tinha e preciso me adaptar, caso contrário a demência me alcança antes do coronavírus me pegar.

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