Se quiser participar, é só mandar um e-mail pra organizadora em juliadantas@gmail.com pra combinar uma data pro teu relato. Os participantes estão em Porto Alegre ou abandonaram a cidade temporariamente para a quarentena.

1.4.20

Dia 15: por Cláudio Levitan

A invasão

A noite foi pesada. Dormi pouco. Me levantei várias vezes por causa de uma tosse seca e uma claustrofobia que me dava impressão, quase certeza, que eu estava
com o coronavírus e não conseguia respirar. Me levantava, ia ao banheiro, dava uma volta no quarto tentando me acalmar. Talvez fosse a minha reincidente sinusite que me afogava sempre que começava o inverno. Acho que ela se antecipou só porque estou com medo. Ainda é outono e os dias estão maravilhosos, quentes e frescos durante a noite. Mas isso não era o suficiente para me convencer.

Pensei, vou ter que enfrentar mais um inverno sozinho com essa doença à minha porta.

É lógico que vou pegar, sou do grupo de risco e me arrisco a dizer que ela tá sabendo disso. Vou morrer sufocado! E sozinho! Foram vários invernos de solteiro doente, enfrentando a febre, a tosse e a falta de ar numa rotina solitária, quase suicida.

Estava feliz, porque tinha encontrado uma parceira para enfrentar o futuro.
Porém, de repente, o mundo desabou e surgiu essa quarentena pra nos separar.

Ela teve de ficar em sua casa com a filha organizando sua nova rotina por causa da pandemia. E eu tive de permanecer na minha com as velhas gavetas e bugigangas, ainda sem saber como me livrar de tanto passado, imaginando que, nada mais normal, do que eu voltar ao meu antigo cotidiano do homem sozinho.

Tínhamos combinado que neste dia, que se aproximava de amanhecer, eu iria à sua casa para jantarmos todos juntos. Mas por causa dessa noite enfadonha, resolvi mudar os planos, quando acordar (ainda não tinha dormido), vou avisá-la que não vou. É muito arriscado. Estou com a impressão de que, se já não estou com o coronavírus, ele deve estar me espreitando para quando eu sair de casa, me pegar. Inclusive, já estava sentindo os sintomas dessa doença que me sufocará em grau bem maior do que a minha sinusite quando costumava me atacar! E vai ser horrível, morrer afogado no seco! Ouvi falar de uma enfermeira que pegou o coronavírus e se suicidou. Acho que preferiria também um outro tipo de morte…

Resolvi que iria fazer isso: não sair mais de casa!

Me acomodei na cama pra dormir, antes coloquei uma canção pra ninar…

Fiquei sabendo que dormi, quando acordei. Preparei o café e falei pra mim com melancolia:
- Continuo sozinho! E será uma longa jornada nesta arca sem bichos nem parceria, enfrentarei o vírus com a minha solidão…

A rotina do café da manhã sempre me ajuda a acordar. Nisto recebo um telefonema: Vanessa?! Ela nunca liga, geralmente manda mensagem de voz ou um whats bem objetivo me ajudando a me organizar. Ela é capricorniana e eu sou peixes. Um com os pés na terra e o outro sem pé nem cabeça.

- Bom dia! Estamos indo pra aí! Luana, eu e o Euro. Vamos atravessar essa
quarentena na tua casa!
- Ãh?
- Estamos arrumando as coisas. Tu podes nos buscar?
- Sim! Quando?

Busquei as duas. Elas entraram no carro sem me deixar sair para não me arriscar tocando em maçanetas contaminadas ou com algum vírus traiçoeiro no ar. Entramos no carro como fugitivos e atravessamos a cidade vazia, como se ainda fosse fevereiro.

Jogamos as malas pra dentro do pátio e fomos acertando os espaços da casa, antes desinfetamos as mãos, os pacotes, os pés, trocamos de roupas, como se lá fora houvesse um temporal e estávamos nos protegendo da chuva.

Na cerca, ainda tinha um grande cartaz: VENDE-SE. Era o meu plano sair dessa casa e ir para um apartamento que fosse suficientemente espaçoso para elas e para mim. Um plano ainda nem bem assimilado, não deu tempo! Invadiram minha arca antes que fechassem as comportas. Entraram quase que pela fresta.

Arrumamos um quarto para as duas, a cozinha para nós, o chuveiro para todos os três. Sempre mantendo, entre nós, a distância recomendada: um metro e meio.

Foi um dia intenso. Eu estava salvo! Terminamos no terraço festejando o shabat e nos preparando para a grande travessia!

Um comentário:

  1. Que lindo o seu texto/travessia Parabéns! Escreves com.melodia de notas musicais@

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