Se quiser participar, é só mandar um e-mail pra organizadora em juliadantas@gmail.com pra combinar uma data pro teu relato. Os participantes estão em Porto Alegre ou abandonaram a cidade temporariamente para a quarentena.

24.11.20

Dia 252: por Cissa Castro

Diário de quarentena 

Hoje tá tudo normal. Todo mundo foi pra rua e se sentou no bar. O mundo continua estúpido como sempre e eu alimentando meus rancores sem fazer muita coisa producente. Só lendo uns livros a mais e escrevendo palavras perdidas. Vou amontoando elas ali nas linhas, como se aquele fosse o ponto de encontro.

Mas a minha plantinha cresceu, acho que vou até ter que trocá-la de vaso.

Que mundo estúpido. Mas tudo dentro do normal. A gente normaliza tudo, se acostuma com tudo, com tristeza, com morte. Só não se acostuma com solidão, com esconderijo. É preciso se mostrar, bater foto na praia, na mesa do bar. Todo mundo se amontoando, seja onde for, uns em vala, outros na rua. Também, não tem muito o que fazer, não é mesmo? Se ficar preso, a gente enlouquece. Eu adoro essa coerência de um país que condena o comportamento animalesco daqueles que ficam anos encarcerados dormindo no odor dos outros e no seu próprio, condenados por crimes que o Estado ajudou a cometer. Mas realmente, ficar preso deve ser de enlouquecer. 

Eu entendo o argumento dessa gente. Tomar vinho bom, no sofá confortável não é a mesma coisa. Mas também, o mundo é cheio de gente estúpida. Não tô me colocando fora dessa. O mundo não evolui, o homem não evolui, ele circula; volta e meia a gente volta pra mesma imbecilidade.

Tá tudo normal. Eu, por exemplo, curada a ressaca, retorno ao mesmo cálice de vinho. Como se qualquer delírio etílico fizesse mais sentido que ver o jornal. Eu odeio matemática e só vejo esse empilhar de números na minha frente. Todo dia. Tudo igual. Tudo normal.

Diário (cantado) de quarentena 

A música anda tocando desafinada. Talvez seja porque antes era composta também dos barulhos de copos batendo na mesa, da risada que vinha do pessoal ao lado, do “tudo certo?” do garçom que sempre entrava no ritmo. A música tinha muito barulho na sua volta. O cantor do bar era interrompido pelo cantar desafinado de um bêbado que saía a dançar como se aquele espaço fosse todinho dele. Cantava alto e com a alegria de quem sabia que o arrependimento só viria no amanhã.

Agora a música tá errada, silenciosa demais. Dentro da casa vazia não tem nada que compita com ela, ninguém ocupa um espaço na sua melodia como se fizesse parte da composição. A música da casa sozinha só briga com o silêncio da minha própria ausência (o velho clichê do silêncio ensurdecedor). 

A janela da frente é distante, mas me pego a imaginar o que pensam, o que sentem e quais são as dores daqueles moradores que me fazem companhia nesse happy hour imaginário. É possível que tenham dores, deveria ser obrigatório que tivessem. É muito egoísmo passar por tudo isso ileso, tão mais egoísta do que eu querer que doa tanto em vocês o que dói em mim. Mas nesse silêncio penso muito em querer as coisas do jeito que quero e não do jeito que esperam de mim. No silêncio desafinado que sai da caixa de som fico esperando por algum outro barulho para que eu possa parar de sentir medo do volume alto importunar os vizinhos. Talvez fosse bom que batessem a minha porta e reclamassem do barulho, seria uma mínima forma de interação com as pessoas que vão restando no mundo. 

A quem eu quero enganar? O volume está sempre baixo, eles não podem ouvir; só eu posso. E posso porque sei a ordem de cor do que irá tocar, mesmo que o modo seja aleatório. A música sem o convívio do resto pode ser opressiva às vezes. Eu escuto baixinho só pra que abafe o meu pensamento até que ele se fantasie de feliz quando o efeito do álcool começar a surgir.

É mentira, tudo isso é mentira. Eu gosto da música. Eu gosto do jeito que ela compõe o mundo. É que eu não tenho gostado muito do mundo.

23.11.20

Dia 251: por Arthur da Silveira Fortes

Mais um dia infeliz para eu escrever.

Mil trabalhos, mil escritas, mil dias contados, mas nunca podendo sair, pois o vírus tá bem aqui.

Cansado eu fico, já escrevi uns vários dias, todos os mesmos, em meu diário; hoje estou me cansando de tanta escrita, ela ficou aborrecida porque eu fiquei aborrecido de tanto fazer ela.

Mas, preciso fazer ela, ela é minha vida, minha distração, tira o tédio de só ficar em casa o dia inteiro, de não ter coisa alguma a fazer, pessoa alguma a conversar, pessoa nenhuma a ver em nenhum lugar; ela me dá alegria e felicidade nesses momentos difíceis de ficar só em casa com apenas a presença de minha família.

Porém, a escrita também me entedia, me deixando aborrecido quando tenho que fazer, principalmente quando é dever.

Agora, já deu a escrita do dia e digo para o meu leitor que a gente vai se esbarrar no percurso de nossa vida.

8.11.20

Dia 236: por Grace Gosmann

Estamos no mês de novembro do ano de novos e velhos tempos.

Querido diário, 

8h. Dormi mal de novo, preocupada com meus filhos, e não ouvi o despertador, rsrsrs. O dia será cheio. Preparação de aulas, correção dos exercícios. Vou sair para caminhar novamente. Esse negócio de estar isolada em casa me deixa de muito mau humor.

Ontem à noite o Augusto fez uma chamada de vídeo. Estava aliviado porque ele e a Ari continuarão em home office. Que situação esquisita! As gurias estão ótimas, eles vão tentar vir para as eleições. Muito bom! 

13h. Carol ligou e fiquei feliz mais do que o normal. Ela disse que pela primeira vez desde o final de março está tranquila, achando que os cuidados com o uso de diversos equipamentos de proteção e o isolamento total no convívio com a família e amigos estão mesmo funcionando. Eu disse que ela faz um enorme sacrifício, mas ela não concordou. Ela está de folga e virá aqui em casa pela primeira vez desde que está na tenda do Covid. Ela está vindo trazer o pão que fez para mim.

21h. Estou felicíssima. A vida é mesmo feita de pequenos momentos. Abracei-a com toda a saudade acumulada. É óbvio que eu chorei, você já sabia. Tomamos café com bolo de maçã. Conversamos dos filmes e vídeos que assistimos nos últimos meses, falamos do nosso cotidiano, rimos juntas. Relembramos bons momentos e até listamos as próximas viagens. Só nos damos conta da hora quando as luzes amarelas da rua entraram pela janela. Para esticar essa intimidade tão rara nessa época, fui com ela até o super que fica no caminho.  

Querido diário, sinto-me culpada por estar em casa fazendo meu trabalho em toda a segurança. Gostaria de ter um poder mágico. 

Penso nos familiares e amigos que estão na linha de frente do Coronavírus. Minha homenagem!

Fim por hoje.

 😊