Se quiser participar, é só mandar um e-mail pra organizadora em juliadantas@gmail.com pra combinar uma data pro teu relato. Os participantes estão em Porto Alegre ou abandonaram a cidade temporariamente para a quarentena.

30.4.20

Dia 44: por Juliana Maffeis

Faz tempo que perdi a noção dos dias. Hoje fui levar almoço na casa da vó e ela, pela janela, pegou a sacola e me perguntou quando isso vai acabar. Não sei, vó, ninguém sabe. Ela me atirou um beijo e eu outro: até mais, até mais. Semana que vem ela completa 83 anos e não poderei abraçar minha velha. Saindo do prédio, notei uma movimentação. Buzinas, carros enfileirados, motoristas de máscaras camufladas, bandeiras verde-amarelas. Era uma carreata a favor do governo e contra o isolamento social. Como alguém ainda defende esse governo? 

Ando com a paciência zerada. Juro que não queria entrar nesse conflito. Cuspi meia dúzia de verdades na cara de um cidadão de bem e de repente já tinha cavalaria, spray de pimenta, espingarda apontada pra mim. Olha, se fosse pra me arriscar, estaria brindando o fim do mundo com meus amigos. Não aqui, não com essa galera. Tentei me defender atrás de uma camionete branca e o motorista me chamou de comunista. Vai pra casa, o polícia me disse. Era isso que eu tava querendo, seu, desde o início. O mundo tá tão louco que eu tava, em plena pandemia, no meio da rua concordando com um policial. 

Cheguei em casa tremendo. Pelo menos um pouco de emoção, ninguém me disse. Morar sozinha em tempos de pandemia potencializa o medo. Em casa é mais seguro, esse é o mantra que eu repito ao longo do dia. Uma porra de um vírus minúsculo me afasta da sociedade e me aproxima de mim de um jeito pouco saudável. De repente surge a obrigação de rastrear minha sombra. Sem folga, sem férias, sem esconderijo. Por ironia, uso máscara. A pandemia parece estar tirando algumas e devolvendo outras, descartáveis em outra medida. Justo agora que precisei enfrentar o espelho, minha boca tá coberta. Observo o mundo tão longe e eu pequeninha correndo dentro de mim. 

Quem diria que eu, toda cagada entoando que-meus-inimigos-tendo-pés-não-me-alcancem-tendo-olhos-não-me-vejam antes de sair de casa pra entregar comida pra vó, iria ignorar qualquer perigo pra bater boca com fascista? Parece mesmo que me conheço pouco: não sei sair e voltar pra casa sem alterar a rota. Só por hoje não olharei os dados, as curvas, as estatísticas, as prospecções, os números. Já não tenho força para interpretar a dança dos gráficos e seus movimentos bruscos. 

Não estou otimista, não tenho motivos pra isso. Bate uma imensa vontade de mandar tudo à merda e sentar na calçada, acender um cigarro, foda-se. Se fosse só por mim, já era. Ando tão puta com esse governo que pouco me interessa ser testemunha do futuro. Aí me vem a imagem da vó na janela perguntando quando isso vai acabar. Não sei, vó, ninguém sabe. Dá vontade de ter uma resposta melhor. 

Um comentário:

  1. Minha linda Juju li teu relato adorei fosse perfeita!!Não gostei por teres aumentado minha idade.

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