Carta para Isadora (quando tu entender o que é uma pandemia)
Era meados de março de 2020 e tu, minha filha, ensaiava teus primeiros passos pela sala de casa. Tínhamos tantos planos para a nossa família naquele início de ano. Tu iria entrar para a escola e fazer teus primeiros amigos.
Seguíamos nossa rotina de todos os dias quando a vida parou subitamente. Uma enxurrada de incertezas e notícias ruins tomou conta do nosso dia-a-dia. Nossos passeios ao ar livre cessaram e não tivemos mais os almoços em família, as festinhas de aniversário, a rotina de sair para o trabalho e os abraços dos avós.
Tu não entendia o que era uma pandemia, e teu pai e eu nos aproveitamos desta condição para entrar no pequeno, mas encantador universo de um bebê de um ano e meio. Enquanto o mundo se fechava lá fora, aqui dentro de casa tu ia descobrindo um mundo fantástico de tampas de panela, potinhos coloridos e botões pelos aparelhos da casa. Teu vocabulário e formas de se expressar deram um salto impressionante. As semanas foram passando e tu passou a correr, dando voltas e voltas pela mesa de jantar, andando por baixo das cadeiras e te escondendo no armário.
Mesmo exaustos com a tua energia, decidimos transformar o isolamento em uma experiência positiva e viver a maternidade-paternidade de forma plena e fantástica contigo, algo que não estávamos conseguindo por conta das rotinas fora de casa. Instalamos a barraquinha no meio da sala e, contigo, reaprendemos a brincar, a mergulhar na imaginação e esquecer um pouco a tristeza lá fora. Tudo era cantado, dançado, no nosso musical. Às vezes de um jeito meio esquisito, desafinado, sem compasso, mas do nosso jeito de viver a pandemia. Para ti, tudo estava bom, tudo era alegre.
Mesmo com o universo tão pequeno da nossa casa, um mundo incrível de estímulos e curiosidades se abria para ti e, assim, entramos na tua onda. Mesmo com a tua alegria, contudo, o desânimo e a angústia da incerteza me abateram diversas vezes. Essa é uma das partes ruins da vida de adulto. Não há mais brincadeira, desenho na TV ou imaginação que nos encante como na infância. A tristeza vinha acompanhada das notícias ruins. O inverno chegou e não deu mais para curtir o jardim. Eu me joguei no tapete da sala e olhei para o nada, sem energia. E, então, fui surpreendida com um carinho espontâneo teu.
Em plena penumbra da pandemia, tu aprendeu a abraçar, a fazer carinho, a expressar teus sentimentos. Tu aprendeu a ficar triste pela tristeza dos teus pais e a vir consolar. Tu aprendeu o que é saudade, chamando pelos teus avós e padrinhos. Tu aprendeu a se preocupar se a pessoa do outro lado da chamada de vídeo estava bem.
Assim fomos vivendo cada dia da quarentena, em um misto de angústia e esperança. Apesar de tão pequena, tu nos mostrou que o caminho da simplicidade é de fato o mais feliz e duradouro. Quando uma pandemia nos assola e tira todo o tipo de consumismo, de parafernálias e de artifícios que usamos para trazer felicidadezinhas momentâneas no dia-a-dia, o que nos resta? Me fiz essa pergunta tantas vezes naqueles dias de isolamento... Tu, Isadora, mesmo sem entender, nos ensinou que, quando tiramos todas essas artificialidades da nossa vida, o que sobra é o mais simples e fundamental: o cuidado, seja com a nossa alimentação ou nossos sentimentos; seja com a natureza, com os nossos relacionamentos, nosso tempo livre ou com a nossa casa.
Sem ti, a pandemia teria passado em nossas vidas e nos ensinado a adotar novos hábitos, a ser mais precavidos financeiramente. Mas, contigo, a pandemia nos mostrou que olhar com mais cuidado e amor para a nossa vida é essencial.
Juliana, a Isadora vai valorizar muito essa história quando entender o que é uma pandemia. Parabéns pelo teu relato e pela bela lembrança para tua filha. Abs. Marisa Schroeder.
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