Se quiser participar, é só mandar um e-mail pra organizadora em juliadantas@gmail.com pra combinar uma data pro teu relato. Os participantes estão em Porto Alegre ou abandonaram a cidade temporariamente para a quarentena.

18.7.20

Dia 123: por Marta Colombo

Isso vai passar..., o que está acontecendo? Misto de ansiedade, medo, incerteza? Assim me encontro em casa, há mais de cem dias, ao lado de meu companheiro (de mais de quarenta anos). Vivencio reflexões, emoções que me invadem num dia qualquer de quarentena. É o saudosismo em tempos difíceis, sombrios, escuros. Claro, eles já existiam antes da pandemia: penso no antes, no agora e no amanhã. Sempre na esperança de que o amanhã seja mais humano, mais leve, mais claro.

Até aqui, o que vi e presenciei na vida foi quase insustentável, sobretudo no que se refere ao planeta, ao clima, à natureza. Uma sociedade de consumo, com pouco ou nada de vida e satisfação interior, sempre buscando "mais"; e, com isso, não encontrando o principal: que é ser feliz. Talvez seja esta a primeira vez na história, que há uma sensação de que somos uma única humanidade, que o que acontece com um pode acontecer com todos, independente de cor, raça, credo. Estamos todos inseridos nesse vírus, em quarentena, dialogando com os sentimentos. Já me desesperei e chorei muito por "ene" motivos nesse enclausuramento.

O medo desse vírus é a morte (por isso o choro e o desespero). Se o vírus me pegar, pertenço ao grupo mais vulnerável, estou próxima dos 70 anos e sei que se me contagio, a probabilidade de morrer será de 99,9%, quer dizer: tenho um por cento de chance de sobrevida, isso contando com a sorte. Então a probabilidade de morte é muito clara! Sendo assim, reflito sobre o que essa pandemia pode me ensinar. Sim, me ensinar! Porque ainda sonho, ainda aprendo. O que primeiro ela me ensina é ficar em casa, me proteger e proteger o outro; segundo, me desapegar das coisas não essenciais. Não preciso de nada, tenho muito. Olho à minha volta e me pergunto: pra quê tudo isso? Só preciso das pessoas com quem eu quero estar: filhos, familiares e amigos. Constato, também, que apesar de tanta coisa ruim, o mundo ainda tem graça: os rios, mares, céus, e montanhas seguem belos brindando à vida. Sim, há contradições no que penso e escrevo, mas há em tudo e em todos. É a coexistência de tudo e todos.

Quer a gente queira ou não, isso, de alguma forma, está nos fazendo valorizar e enxergar o que, de fato, é importante. A quem essa pandemia mais atinge primeiro e qual a chance de recuperação. Também, que somos uma grande família, o que acontece com um ser humano em Wuhan, acontece aqui e com qualquer um em todo o planeta, sem muralhas e sem paredes que possam nos separar. Todos queremos uma nova normalidade, não a de antes. Que outro normal queremos? Aquele sonho de um mundo melhor, mais fraterno: e é pra lá que queremos ir.

A gente vem ao mundo pra ganhar e perder. Quanto mais se vive mais se ganha e se perde. A coisa mais importante que se ganha é a vida, e é também a mais importante que se perde.

É tempo de repensar. A todo instante me vejo em busca de novos prefixos para revestir com novos significados as palavras e ações no desejo constante de dar voz, cor e vida àquilo que aparentemente já não tem. E, nesse vaivém de pensar, repensar e pensar de novo, transformo as impossibilidades em possibilidades. Sou alguém que caminha ao meu lado, e, esse alguém, me avisa que estou de pé, que posso andar, parar, cortar meu cabelo, aplicar injeção, refletir sobre a minha história, exercitar a memória através das ricas lembranças que trago comigo desde a longínqua infância, que tenho um baú recheado de experiências, sentimentos e vivências que me fazem única e que me distinguem dos demais seres. São valores, práticas, ações, desejos e gostos que experimentei ao longo desses anos de vida.

Em tempos de quarentena, visito esse baú com frequência e, algumas coisas, transformo em memória experienciada. É valioso me permitir reviver sensações e lembranças passadas, seja através de fotos, registros escritos, receitas e sentir que é possível ser útil e repetir esse legado. Isso acalma sobremaneira os meus dias de confinamento.

Assim vivo essa quarentena interminável. Acordo sem saber as horas, dia da semana ou do mês. Durante o dia, divido meu tempo entre leitura, exercício físico, tricô, afazeres domésticos e experiencio práticas culinárias.

Há 60 anos, portanto, com 10 anos fiz pão pela primeira vez. Sim, pão! Ninguém me ensinou, foi vontade de experimentar. Observava quem fazia pão na casa: minha mãe e irmãs mais velhas que eu. Certo dia, em casa sozinha, resolvi surpreender e arrisquei: fiz o pão _ tudo certo, mas esqueci de um ingrediente: o sal. Fiquei frustrada e nunca mais fiz, mesmo com incentivo de mamãe pra que eu continuasse a praticar.

Hoje volto a esse tempo e faço experimentações quase diárias. Faço pães, cucas, molho italiano, tortei, bolachas, crostoli, sagu, feijão e muito mais. Às vezes fica muito bom, às vezes regular e às vezes péssimo, mas continuo experienciando.

Com tantas coisas ruins desse 2020, inspecionar o passado e dele lembrar as coisas boas, me faz olhar a vida com mais carinho. E vejam o resultado desses meus experimentos: tudo o que faço compartilho com os filhos. Os filhos, às vezes, compartilham com amigos e, assim, chegaram alguns torteis para a Júlia, essa pessoa querida por quem tenho um grande afeto. A Júlia me envia mensagem, via Messenger,  agradecendo e, sendo muito gentil, dizendo que estavam maravilhosos, e, também, fazendo um convite para participar desse projeto lindo. A princípio pensei: não! Como participar desse diário com tanta gente incrível fazendo parte dele? Ao mesmo tempo, não posso negar um pedido da Júlia, por se tratar de uma daquelas pessoas pelas quais tenho maior apreço, carinho e respeito. Como dizer não? Dizendo não! Assim! Seja o que Deus quiser, vou entrar nesse barco!

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