Se quiser participar, é só mandar um e-mail pra organizadora em juliadantas@gmail.com pra combinar uma data pro teu relato. Os participantes estão em Porto Alegre ou abandonaram a cidade temporariamente para a quarentena.

9.7.20

Dia 114: por Ângela Both Chagas

Amanhã é dia de exame, mais uma ecografia para verificar se está tudo bem na gravidez. Conversava com uma amiga, a Bruna, pois ando curiosa para saber o peso da Anita e se ela está na posição cefálica (de cabeça para baixo, o que facilita o parto). E a Bruna comentou que, dia desses, passou em frente à clínica onde são feitos os procedimentos e sentiu uma saudosa alegria: nas suas duas gestações, dia de exame era dia de matar a curiosidade de ver o rostinho do bebê (as imagens em 3D são impressionantes), de confirmar que está tudo bem e que aquelas criaturinhas não param de crescer.

Fiquei pensando sobre o que a Bruna me disse. Não sei se daqui a alguns anos, quando passar em frente ao prédio da Avenida Cristóvão Colombo, terei a mesma sensação de felicidade por ela descrita. Em meio a esta pandemia, precisar sair de casa tem sido motivo de angústia. Máscara, cabelo preso, álcool em gel na bolsa. Chego na clínica e um segurança com 2 metros de altura diz que preciso medir a temperatura antes de entrar para o exame. Dentro da clínica, uma senhora higieniza poltronas e mesas o tempo inteiro. Tudo isso me dá medo. Não posso me contaminar. Aproximar o dedo na maquininha para retirar a senha de atendimento já é motivo de preocupação.

Para piorar, meu companheiro não pode me acompanhar em nenhum dos exames. Nem nas consultas com a obstetra. Tudo para reduzir o número de pessoas nesses ambientes. Concordo com a medida, mas gostaria que ele também pudesse ver nossa menina se mexendo, ouvir como seu coração bate acelerado. E me ajudar a cuidar para não pegar essa praga de vírus - distraída que sou, sinto-me mais segura quando Guilherme me alerta: não se encosta na parede, não coloca a mão no corrimão, passa álcool em gel de novo...

Talvez eu não tenha mesmo boas lembranças destes momentos tensos fora de casa, mas encarar esta pandemia grávida tem muitas coisas boas. E é nelas que eu tento me focar, sem antes deixar claro que tenho consciência dos meus inúmeros privilégios - moro numa casa confortável, não perdi renda, posso trabalhar de casa e ter uma alimentação saudável. Infelizmente, esta não é a realidade de boa parte das gestantes e mães neste país desigual.

Dito isso, quando começo a me preocupar com o aumento das internações em UTI em Porto Alegre, recebo fotos de mais uma almofada de crochê que minha mãe fez para o quartinho da Anita, meus sobrinhos encaminham áudio com beijos para a prima, minha avó liga emocionada depois de ver as fotos da barriga crescendo. Também me distraio separando as roupinhas doadas por tias e tios que já tiveram bebê.

Nesses momentos esqueço até da indignação com um presidente que faz propaganda de medicamento sem eficácia comprovada e me desligo do turbilhão de informações sobre o coronavírus. Eu ainda me empolgo com a preparação para o parto. Nas inúmeras leituras que faço sobre esse momento (mulheres, informação é tudo!), deparei-me com uma frase de uma doula que disse: parir hoje no Brasil é um ato de resistência. Resistimos a visões que ignoram que o nosso corpo foi preparado para isso, resistimos àqueles que afirmam que não temos força para encarar tamanha dor e focamos no poder de uma mulher que gera uma nova vida. Sentir-me empoderada física e psicologicamente para esse momento é mais um motivo de força para enfrentar tudo que acontece lá fora.

Minha menina deve chegar a este mundo louco em outubro. No começo pensava que até lá a vida teria voltado ao normal. Capaz! Mas a espera pela Anita em meio a esse turbilhão me traz esperança: quem sabe conseguimos construir um futuro com mais empatia e solidariedade. Amanhã tem exame, já vou colocar o álcool em gel na bolsa.

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