Se quiser participar, é só mandar um e-mail pra organizadora em juliadantas@gmail.com pra combinar uma data pro teu relato. Os participantes estão em Porto Alegre ou abandonaram a cidade temporariamente para a quarentena.

12.7.20

Dia 117: por Julia Luiza Schäfer

Julia no País da Pandemia

Cento e dezoito dias. Duas mil, oitocentas e trinta e duas horas. Cento e sessenta e nove mil, novecentos e vinte minutos. Um terço do ano de 2020.

Esse é o tempo que já passou desde que o isolamento social começou.

Mas quanto tempo dura o tempo?
Um segundo”, disse o Coelho Branco.
O tempo “não suporta ser marcado”, “ele é alguém”, disse o Chapeleiro.

Voltei ao País das Maravilhas do sonho de Alice no dia 105 desta pandemia. Um dia no País das Maravilhas é quase como todos esses dias – ainda a contar – na Pandemia. A diferença é que, por mais que pareçam parte de um sonho, os mascarados pelas ruas, as mais de 70.000 cabeças cortadas, as danças de quadrilhas televisionadas que não são de lagostas e a manipulação que não são de rosas, mas de informação, são tão reais quanto aquilo que comi no café da manhã.

Caindo. Caindo. Caindo”. “E pensar que ontem tudo estava normal”. Foi mais ou menos assim, como o sonho de Alice, que essa Pandemia começou: em uma queda lenta e longa, quase sem fim, com tempo de especular o que aconteceria em seguida ou o quão próximos do centro da Terra estávamos chegando. Tão irreal e tão curioso. Tão esquisito. Acontece que ambas as quedas terminaram em uma toca, ou casinha, cujas aberturas são pequenas demais para conseguirmos passar. Eu, você e Alice. “Como ela [Alice] queria sair daquela sala escura e passear entre aqueles canteiros de flores esplendentes e aquelas fontes fresquinhas!” Ah, pequena Alice, como te entendo! Tanta coisa lá fora e a gente aqui dentro!

Só que acontece que, no País da Pandemia, lá fora têm ciclone. Tem nuvem de gafanhoto. Tem ministros falsos que, de tartaruga, estão a “Grifos” de distância. Tem um vírus que não é de Copas, mas que já cortou as cabeças de mais de mil. Não é toa que, tantos de nós, já nadaram nos seus próprios mares de lágrimas.

Em meio a imprevisibilidade de dias tão indistinguíveis – e tanta coisa acontecendo lá fora e aqui dentro, já mudei de tamanho diversas vezes. Não precisei de bolos, ou de cogumelos; bastaram notícias na TV, idas ao supermercado, ou artes musicais ou literárias para me deixarem ora grande, ora pequena demais para os 52 metros quadrados do apartamento em que vivo. Assim como Alice, acho “[...] bem curioso, sabe, este tipo de vida! Eu queria saber o que foi que aconteceu comigo”. No País da Pandemia, “[...] eu sei quem eu era quando acordei esta manhã. Mas acho que já mudei tantas vezes desde então...” que arrisco dizer que já não serei mais a mesma. Tenho a impressão de que eu mudei tanto que “não consigo me lembrar das coisas como antes”.

Queria era dar por mim deitada em um barranco acordando de um sono pesado e nos despertando desse sonho esquisito. Tal como aconteceu com Alice. Mas, o País da Pandemia não é sonho como o das Maravilhas. E embora ele não tenha nenhum Gato de Cheshire para nos indicar o melhor caminho a nos salvar, eu sigo acreditando na moral da Duquesa de que “oh, é o amor, é o amor que faz o mundo girar”.

Referência: CARROLL, Lewis. Alice no País das Maravilhas. 2a edição. São Paulo, 2000

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