Se quiser participar, é só mandar um e-mail pra organizadora em juliadantas@gmail.com pra combinar uma data pro teu relato. Os participantes estão em Porto Alegre ou abandonaram a cidade temporariamente para a quarentena.

11.7.20

Dia 116: por Marcos Almeida Pfeifer

Queridos amigos que oportunizaram este espaço. Um texto por dia, porque se vive um dia de cada vez nessa pandemia. Devia ter sido assim antes. Embora já vinha tendo essa prática, mas outras vezes engolido pela ansiedade. Antes de escrever, li dois textos deste blog, para conhecer, saber das percepções, das angústias e das alegrias também. O que as pessoas estão sentindo, como estão sentindo. Sentir o outro é o grande exercício de cada dia, é a lição do vírus, é o presente da pandemia. Nos conectar com o passo da natureza, perceber mais o amanhecer e anoitecer, levantar em horários diferentes, burlar um pouco a rotina, entrar num tempo diferente, quem sabe o nosso tempo, ser compositores da nossa música. E acessar o novo, a vida já está me proporcionando com a alegria e a transformação de vivenciar a beleza de ser pai. Uma menina que está para nascer e vem sendo a maestrina de meus novos compassos.

Para o mestre Dorival Caymmi, as canções tinham de ser buriladas, deixar que o tempo mostrasse a melhor nota, o verso mais inspirado, a canção tinha o seu próprio tempo. Pois antes da pandemia, vínhamos de um tempo social e econômico que atropelou o próprio tempo, não se tinha tempo para sentir, olhar, ouvir e perceber. O individualismo da sociedade brasileira que se reflete na política de um “governo” que se esfacela enquanto atua na violação dos direitos humanos básicos ficam mais evidentes, mas parte da população parece recobrar os sentidos da importância da solidariedade e da democracia. A sombra dos preconceitos cresce, agride, mas encontra luz no despertar dos movimentos sociais organizados e unidos pelas redes sociais. Acho que muitos ainda acreditam no amor, na diversidade e na compreensão que venham a tornar mais leve a palavra justiça.

Um tempo novo, já estamos vivendo o “novo normal”. Um tempo de trabalho, ansiedade, de repouso, de dar-se ao tempo e nada fazer. Olhar para si com mais amor, um novo significado para a nossa história de vida, lembrando dos encontros, festas, passeios, amigos, canções e famílias com um jeito diferente, uma luz e uma gratidão que são energia para seguirmos. Um tempo de rupturas e de coragem para fazê-las, para quem as precisa, um tempo para cada um viver o seu tempo, nada é absoluto. Confesso que enquanto escrevo este texto, passo por muitas transformações. Estou aprendendo a ler, a ouvir e a falar, com quase 40 anos de idade.

Queria trazer aqui, coisas que não desgastassem, mas acreditem, desgasta não termos empatia em cada dia desse tempo. Conforta saber que ao adotarmos os cuidados e fazendo o isolamento, estamos cuidando de quem amamos e de toda sociedade, do coletivo, e um amor pelo todo pode estar nascendo aí. Cada dia da pandemia é difícil e é fácil, nos desperta a energia do cuidado, a humildade de que nada sabemos, a certeza da finitude, a consciência de que estamos no maior rito da humanidade em quase 80 anos, um rito do nosso tempo, de não termos utopias nem quimeras. Estamos vivendo uma oportunidade: de colocarmos amor em cada dia que nascemos, de ouvir aquela música com um gosto que nunca tínhamos sentido, de poder sentir prazer, náusea, tristeza, empatia, felicidade. De sermos inteiros e de encontrarmos os sons da nossa música interna, que é a nossa grande companhia!

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