Se quiser participar, é só mandar um e-mail pra organizadora em juliadantas@gmail.com pra combinar uma data pro teu relato. Os participantes estão em Porto Alegre ou abandonaram a cidade temporariamente para a quarentena.

14.8.20

Dia 150: por Rafael Bassi

Bárbara e eu temos aproveitado para fazer coisas que antes não podíamos, como, por exemplo, tomar café e almoçarmos juntos, na mesa que fica na sala, de frente para a rua. Como estou dando aulas pelo computador, não tenho mais deslocamentos. 

A quarentena – interminável nesse país de dissabores – já nos causou todos os tipos de sentimentos possíveis. Hoje olhamos pela janela e sorrimos ao ver a árvore. 

Cada qual se agarra às revoluções que pode. Eu há tempos tenho dito que luto pela sobrevivência destas duas árvores na frente de casa. Pelo bairro, só o que se vê é que as árvores foram sumindo. Já anunciei: se preciso for, me acorrento às árvores e chamo a RBS, Zero Hora, o que for preciso. Tenho um amigo, que tem um amigo que trabalha na edição do Globo Repórter. Sempre há a quem recorrer.

Hoje acordei sonolento, tomei meu banho, e fui dar aulas. É aniversário da minha mãe, e quando foi 23:55 de ontem, minha sobrinha que mora com ela nos ligou via Zoom e fizemos, meia-noite, uma festa surpresa, cantando parabéns e fazendo-a chorar. Por isso, hoje acordei neste estado. 

Trabalhei a manhã toda. Isso tem me deixado mais tranquilo, porque o excesso das atividades tem feito o tempo correr mais rápido. Tive que me adaptar com as tecnologias todas para o processo de ensino à distância, mas acho que tenho me saído bem. O que me irrita um pouco é que a) o governo fica anunciando o tempo todo que está planejando voltarmos às aulas, mesmo com o Rio Grande do Sul passando seu pior momento e o Brasil, então, nem se fala; b) algumas instituições estão redobrando a rigidez e querendo mil coisas por semana. O ensino privado foi a única coisa que conseguiu se adaptar ligeiramente bem neste contexto e, por favor, nosso objetivo não é criarmos uma educação nova, mas todos deveríamos tentar ao máximo sobreviver a 2020. Meu sonho é simplesmente chegar ao ano que vem.

Durante a tarde, aulas com o Assis Brasil, que servem sempre de reconforto. Ouvi-lo é sinal de que ainda existe humanidade; em algum lugar encontraremos sempre um Assis Brasil, a quem teremos prazer de ouvir. 

Por outro lado, vi a notícia que o sujeito que ocupa o executivo nacional está com a melhor aprovação popular desde o início do seu mandato. O Brasil, definitivamente, não é para amadores. Seria interessante que o Brasil se desprendesse do mundo e caísse, logo, em um buraco temporal. Seríamos lembrados como são os dinossauros, com certo exotismo e, quem sabe, com sorte, viraríamos um divertido filme de Hollywood. (Como bem disse Saramago, deveríamos todos pelo menos uma hora por dia ficarmos tristes porque o mundo é ruim para com a maioria. Nesse momento, eu fiquei triste, porque é uma questão de solidariedade).

Leonel, o cachorro, está bem tranquilo. Passou por uns perrengues no início, porque queria sair, mas se adaptou bem e, quando quer, traz seu brinquedo para que joguemos no corredor, ou seu pote vazio, porque a fome nele parece uma constante. Melancólico, fica na janela durante vários minutos durante o dia. Mas é, como alguns de nós, um privilegiado por ficar em casa enquanto a maior parte do Brasil simplesmente parece ignorar a pandemia. 

O que resume isso é, como sempre, nestes mundos atuais, um meme (que não lembro de onde tirei): O governo brasileiro, para evitar uma segunda onda, adotou a estratégia de nem sair da primeira. 

As árvores, ali do início, ano passado nos deram um susto: era inverno, todas as suas folhas caíram e nós achamos a imagem bonita; de repente, não sabemos quanto tempo se passou, talvez um dia, talvez um mês, olhamos para ela e estava repleta de folhas, verdinhas... Neste 2020, elas não puderam fazer nada contra nossa sagacidade. À la Paul Auster, decidimos fotografá-las todos os dias e acompanhar a natureza se transformando, lindamente.

Quando chegou a noite, Bárbara e eu jantamos à janela, comemorando os 3 anos das primeiras declarações de amor. Bebemos vinho, comemos fartamente, brindamos. Vimos as fotos das árvores, enquanto observávamos a imagem delas escurecidas pela noite. Sim, eu estou disposto a salvá-las, pois, como bem lembrou o velho russo, “a beleza salvará o mundo”. Se não ele todo, o meu certamente. 


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