Se quiser participar, é só mandar um e-mail pra organizadora em juliadantas@gmail.com pra combinar uma data pro teu relato. Os participantes estão em Porto Alegre ou abandonaram a cidade temporariamente para a quarentena.

13.8.20

Dia 149: por Camilo Raabe

Não sei se conseguirei dormir hoje.

E esta folha em branco me parece confortante.

Gostaria de me fechar neste mundo, este universo que me traz a paz do momento.

Medo... Me disseram que o medo é uma ilusão, algo imaginário. O pavor é real. Estou com medo ou apavorado? Bem, se há dúvidas, estou com medo. O pavor não deixa espaço para hesitar. Não deixa espaço para respirar. Com pavor não se pensa. E eu penso... por isso escrevo.

Pode ser arrogância... um pouco de prepotência, mas penso que o filósofo estava errado. E o pior é que visitei sua tumba, me arrepiei até a espinha, senti algo de grandioso quando, sem querer, me deparei em frente àquela escultura de ermitão sobre o que restou de sua grandeza. Bem, talvez não seja sua grandeza que tenha restado, apenas carne e osso. Escrevo, logo existo. Escrevo, para me encontrar comigo mesmo, enfrentar o meu medo, pensar que ele á apenas uma ilusão. O pavor é diferente.

O filósofo deixou de pensar, e não mais existe. Ele, não existe. Suas ideias correm o mundo, mas ganham vida por meio de outras cabeças pensantes, não a dele. É outra coisa... E se eu parar de escrever? Se não puder mais escrever?

Por enquanto, escrevo... e minha pena (vale o arcaísmo por sua ambiguidade) me conduz ao instante, seu som, sua cor... estou vivo. Agora. Materializo minha existência, estar vivo é estar presente. Meu avô vive na minha memória, em meu pensamento. Ele está presente, é sua obra que fica, por enquanto.

A situação anda calma esta noite. Espero que descansem. Uma das coisas que mais mexem comigo é a vulnerabilidade da vida. Preciso de ar...

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Noite passada foi tensa. As crianças melhoraram, mas minha esposa está com sintomas delicados. Pode ser qualquer virose. Dormimos todos junto, é impossível colocá-la em quarentena. Tenho que trabalhar, não posso ficar mal. Entre a vida e o trabalho, o trabalho também é vida. É comida, contas pagas... Não é fácil ser professor na quarentena. Vou deixar de lado a minha máxima de que o fácil não tem graça, a coisa anda difícil. No mais, ter trabalho hoje em dia é luxo. Merda de sistema! Não, ar, não te vendas, disse o poeta em sua ode. Posso acrescentar, tu não tens preço, minha vida sim.

Vida... Viver é existir. Escrevo, e faço o mundo girar. Se não estiver vivo, o mundo seguirá seu rumo, apesar de mim. Mas se tu não estiveres viva, não saberei o que fazer. Pelo amor de deus, fica bem. Existir ao teu lado é mais gostoso, é mais alegre. O que direi às crianças? O que elas terão que dizer para mim?

Compro alpiste e crio solto os passarinhos. Vejo a vida viva, e me alegro. Não faltará alpiste no mercado. Podem se digladiar por papel higiênico, mas não por alpiste. Se eu morrer amanhã... estes veros não saem de minha cabeça. Os passarinhos não precisam de alpiste. Os seres humanos, sim. Se eu morrer amanhã, o mundo seguirá seu rumo, apesar de mim.

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Está difícil de escrever. Esta cachaça já me virou do avesso. 

Impressionante como a gente fica sóbrio de um momento para o outro. Fico bem a qualquer ruído. Posso limpar um vômito com a maestria de quem nunca bebeu. E bebo... Mando um sinal de fumaça ao divino. Sou eu. Aqui estou, escrevendo... Vivo!

Preciso estender a roupa. Depois eu volto.

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Que eu possa por muito tempo estender as tuas roupas, meu amor. Que eu possa... me deitar ao teu lado e aquecer os teus pés com meu calor. 

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