Se quiser participar, é só mandar um e-mail pra organizadora em juliadantas@gmail.com pra combinar uma data pro teu relato. Os participantes estão em Porto Alegre ou abandonaram a cidade temporariamente para a quarentena.

29.3.20

Dia 12: por Janete Viccari Barbosa

Como diria, se dissesse, o Millôr: livre escrever é só escrever. Desde ontem, oficialmente, faço parte do grupo que vai levar multa de quatrocentos e tantos reais se sair à rua sem um álibi justo. Fiquei pensando, puxa, vou ter de me esgueirar. Daí atinei, péraí, eu tenho álibis, calma, respira, não treme a voz quando a sirene soar, levanta as mãos, fala pausadamente. Não precisa levantar as mãos. Tu já tá ficando meio maluca com esse isolamento social!

Ok, mas estou mais do que em isolamento social, estou em quarentena há 11 dias, porque tive uma dorzeca de garganta, um mal-estar, então, catiplum, ficar em casa. E acho até que mesmo a garganta tendo melhorado logo, não tenho como saber se estou contaminando alguém, se era o coronavírus da hora ou não, por isso já sei que findos os 14 dias oficiais ainda ficarei alguns mais, de medo de fazer mal a alguém.

Enquanto isso, dormir no outro quarto. Ficar na ponta oposta do sofá. Me sentir meio assustadora quando tenho ataques de rinite. Sim, porque tenho rinite alérgica, que é uma chatice normalmente, mas agora pode parecer o anúncio do juízo final. Ainda bem que meu marido é distraído e vive mais dentro dos seus pensamentos, não parece estar me achando uma ameaça. Até almoçamos juntos. Cada um na ponta da mesa, claro.

Mas tenho um companheiro externo. Hoje ele está quieto. Até estou um pouco preocupada. Não ouço seus latidos desde o meio-dia. Na verdade, nunca fomos apresentados. Deduzi que ele é o cachorrinho (pela voz, não parece um grandalhão) do vigia da escola (que está fechada), do outro lado da minha rua. Sem vê-lo, deduzo pelos latidos quando ele está mais perto dos fundos do colégio, ou mais perto do portão (daí penso que alguém passou na rua lateral e ele se alertou). Ele não aparece no pátio do lado de cá, onde eu o veria. Pra ser mais objetiva, de fato, tanto o vigia quando o cachorrinho estão enxertados no meu enredo. Não, não os inventei!

Teve um dia, muito antes da pandemia, nas férias, que eu caminhava sob as árvores da rua ao lado do colégio e vi um rapaz arrumando coisas nos fundos, na parte onde não tem salas de aula. Tinha roupa no varal. E o cãozinho, este não apareceu. É talvez pouco para deduzir sua existência e ocupação. Mas todos os outros cachorros da vizinhança estão na rua ou na extensa área social do prédio além do meu, com seus donos e respectivos saquinhos de plástico. Não sou muito boa de ouvido, mas os latidos desacompanhados vêm sim, dali do colégio. Daqui uns meses, depois da pandemia, vou dar umas voltas ali por baixo das árvores. Gostaria de conhecê-lo pessoalmente.

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