Se quiser participar, é só mandar um e-mail pra organizadora em juliadantas@gmail.com pra combinar uma data pro teu relato. Os participantes estão em Porto Alegre ou abandonaram a cidade temporariamente para a quarentena.

20.3.20

Dia 3: por Iuli Gerbase

O segurança da creche do lado da minha casa, que hoje teve seu último dia de aula, diz que Deus é quem manda, não o presidente, e que “esse vírus é coisa de japonês e chinês”. O segurança falou isso para um pai apressado que deixava sua criança lambuzada de álcool gel, mas o volume foi alto o bastante para eu ouvir da minha sala. Sinto as pessoas com mais necessidade de se comunicar, principalmente as que moram sozinhas como eu, que tenho feito mais chamadas de vídeo que o normal. Imagino o que a mulher que não ficava quieta um segundo na minha academia deve estar fazendo. Talvez comendo os próprios cabelos de tão agoniada.

Minha mãe, com cada filha em uma cidade, já costumava ler muitas notícias. Agora lê mais que respira. Eu sugiro que ela leia um pouco menos para baixar a ansiedade, mas claro que ela não me ouve. Ontem, como boa administradora se preparando para o caos, fez sua própria tabela de comparação entre os casos da Itália e do Brasil. A caneta riscava nervosa, já prevendo que a coisa vai ficar feia.

Algumas instagrammers ripongas falam que este momento reflete a necessidade do planeta Terra de se transformar e respirar. Pensando no sufoco que as pessoas estão passando por falta de médicos, recursos e lugar nos hospitais, me parece uma visão bastante romantizada. Há também a teoria de alguns de que tudo é uma guerra bioquímica. Há teorias que nem entendi e não tive paciência de me adentrar que envolvem muitos caixões e o Obama.

Minha reação emocional tem sido estranha. Às vezes parece que eu estou em um sonho lúcido, outras que estou em um filme de um gênero que não costumo gostar. Por mais notícias que eu leia e máscaras que eu veja na vendinha, ainda não parece realidade, de tão bizarro que é. Claro que meus diversos privilégios contribuem para isso. Me sinto um pouco amortecida, como a personagem do Melancolia na segunda parte do filme: o planeta Melancolia, que vai destruir a Terra, está chegando perto, a irmã dela está apavorada, o cunhado já se foi, mas ela mantém uma calma anormal, como se o planeta fosse só mais uma desgraça no meio de tantas outras que já foram noticiadas.

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