Se quiser participar, é só mandar um e-mail pra organizadora em juliadantas@gmail.com pra combinar uma data pro teu relato. Os participantes estão em Porto Alegre ou abandonaram a cidade temporariamente para a quarentena.

22.3.20

Dia 5: por Suzana Pohia

Um caderno à espera do uso, daqueles presentes tão bacanas que adiei e adiei e adiei mais uma vez seu preenchimento. Não queria escrever ali coisas cotidianas, teorias museológicas ou listas de compras. Quem sabe guardo para minha primeira viagem ao exterior? É, parece bom. Quem sabe para organizar um livro? Boa ideia também.

“Terça-feira, 17 de março de 2020: Não sei quando vou poder começar a minha quarentena de verdade...”

Faz dias que percebo como as mãos são dançantes e descontroladas. Como elas tocam, sentem e são levadas ao rosto. Para coçar nariz, olho, retirar uma mecha de cabelo e ajudar a pensar. Afinal, nada como um dedo na boca para compreender melhor as notícias do dia. Tento compor trilha sonora para elas, não posso agora, acabei de descer do ônibus e preciso passar álcool em gel. Ao trabalhar no aeroporto por quatro dias, senti vontade de amarrá-las junto ao corpo. Mentalizei elas quietas e obedientes, cuidando cada movimento.

Recebo pelo telefone a lista de produtos que pequenos produtores vão entregar na casa das pessoas. Repasso para o grupo do prédio, três vizinhos pilham de pedir coisas, repasso nossos pedidos. O moço sobe os quatro lances de escada com a caixa dos nossos alimentos. E começa a colocar tudo em cima da mesa. Punhados e punhados de folhas verdes. Primeiras lições aprendidas nessa quarentena: couve chinesa não é couve de Bruxelas; a outra é consumir rápido as verduras e frutas. Não dou conta. Recebo Antônio na sexta-feira com pés de alface, punhados de espinafres e a decepcionante couve-chinesa-que-não-é-a-de-bruxelas (que mostrou suas qualidades em um risoto delícia!). Em tempos de pandemia, alimentar o amor é importante.

Não coloquei limite de informação que recebo no dia, mas penso em adotar. Ontem foi um dia que não olhei tanto rede social, sites e afins. Também foi o dia da primeira nostalgia. Primeiro sábado que não precisei sair para trabalhar. No final da tarde, tudo que eu queria era caminhar até o pátio do supermercado, tomar uma cerveja e acompanhar o fluxo das pessoas.

Ficar em casa é necessário. Boa parte de mim acredita que vai passar, vai dar. Outra está rancorosa com quem colocou esse escroto na presidência. Enfrentamos dois caos ao mesmo tempo: o Corona e o Bolsonaro.

A parte do pânico e desesperança está aqui, mas não deixo ela assumir, por enquanto, por enquanto...

O Museu da Medicina estava com uma exposição sobre a Gripe Espanhola. Visitei em uma aula no ano passado. Faço mantras sobre a humanidade já ter passado por isso. Passamos. Vai passar. Vai dar.

Nesta manhã, escuto Mercedes Sosa. Vai passar. Vai dar.

Quién dijo que todo está perdido?
Yo vengo a ofrecer mi corazón
Tanta sangre que se llevó el rí­o,
Yo vengo a ofrecer mi corazón

No será tan fácil, ya sé qué pasa,
No será tan simple como pensaba,
Como abrir el pecho y sacar el alma,
Una cuchillada del amor   

ps:


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