“Terça-feira, 17 de março de 2020: Não sei quando vou poder começar a minha quarentena de verdade...”
Faz dias que percebo como as mãos são dançantes e descontroladas. Como elas tocam, sentem e são levadas ao rosto. Para coçar nariz, olho, retirar uma mecha de cabelo e ajudar a pensar. Afinal, nada como um dedo na boca para compreender melhor as notícias do dia. Tento compor trilha sonora para elas, não posso agora, acabei de descer do ônibus e preciso passar álcool em gel. Ao trabalhar no aeroporto por quatro dias, senti vontade de amarrá-las junto ao corpo. Mentalizei elas quietas e obedientes, cuidando cada movimento.
Recebo pelo telefone a lista de produtos que pequenos produtores vão entregar na casa das pessoas. Repasso para o grupo do prédio, três vizinhos pilham de pedir coisas, repasso nossos pedidos. O moço sobe os quatro lances de escada com a caixa dos nossos alimentos. E começa a colocar tudo em cima da mesa. Punhados e punhados de folhas verdes. Primeiras lições aprendidas nessa quarentena: couve chinesa não é couve de Bruxelas; a outra é consumir rápido as verduras e frutas. Não dou conta. Recebo Antônio na sexta-feira com pés de alface, punhados de espinafres e a decepcionante couve-chinesa-que-não-é-a-de-bruxelas (que mostrou suas qualidades em um risoto delícia!). Em tempos de pandemia, alimentar o amor é importante.
Não coloquei limite de informação que recebo no dia, mas penso em adotar. Ontem foi um dia que não olhei tanto rede social, sites e afins. Também foi o dia da primeira nostalgia. Primeiro sábado que não precisei sair para trabalhar. No final da tarde, tudo que eu queria era caminhar até o pátio do supermercado, tomar uma cerveja e acompanhar o fluxo das pessoas.
Ficar em casa é necessário. Boa parte de mim acredita que vai passar, vai dar. Outra está rancorosa com quem colocou esse escroto na presidência. Enfrentamos dois caos ao mesmo tempo: o Corona e o Bolsonaro.
A parte do pânico e desesperança está aqui, mas não deixo ela assumir, por enquanto, por enquanto...
O Museu da Medicina estava com uma exposição sobre a Gripe Espanhola. Visitei em uma aula no ano passado. Faço mantras sobre a humanidade já ter passado por isso. Passamos. Vai passar. Vai dar.
Nesta manhã, escuto Mercedes Sosa. Vai passar. Vai dar.
Quién dijo que todo está perdido?
Yo vengo a ofrecer mi corazón
Tanta sangre que se llevó el río,
Yo vengo a ofrecer mi corazón
No será tan fácil, ya sé qué pasa,
No será tan simple como pensaba,
Como abrir el pecho y sacar el alma,
Una cuchillada del amor
ps:
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