Se quiser participar, é só mandar um e-mail pra organizadora em juliadantas@gmail.com pra combinar uma data pro teu relato. Os participantes estão em Porto Alegre ou abandonaram a cidade temporariamente para a quarentena.

25.3.20

Dia 8: por Vanessa Silla

Bom dia?

Simplesmente me mudei. Primeiro foram algumas roupas de verão, dois shorts, quatro camisetas, uma calça, dois pijamas, alguns livros e os trapos literários que estavam guardados na mochila. Concentro meu trabalho de doutorado nesta mochila, junto com fones de ouvido, pen-drive, e agendas com bancos de palavras. Estou zanzando para a reta final e devo defender meu trabalho no final do ano, mas por enquanto a única defesa efetiva que venho fazendo é contra o coronavírus.

Como todos: lavo mãos, álcool gel, Skype, zoom, panelaço, limpeza da casa, cozinha e zero produção literária, mas vai passar.

Vai passar porque é preciso fechar os ciclos, fechar a boca, fechar os egos, e abrir a consciência universal daquele tão repetido mantra – estamos todos aprendendo a ser humanos.

Então me mudei com cachorro e filha para a casa do meu namorado, às vezes marido, ou sempre marido, às vezes namorado. Eu não gosto de casamentos, acho chato, rotineiro, trabalhoso, um protetor invisível contra a prática do sexo - o tesão. É como se colocássemos uma grande camisinha na relação, deixando para dentro a parte mais sensível e deliciosa. Mas aí, sou eu, comungando com meus rascunhos de pensamentos. Quando me mudei pela primeira vez, foi mais um reconhecimento de área, quem fica aonde, qual o melhor lugar para colocar o pratinho do Euro (meu cachorro se chama Euro), onde coloco as coisas do banheiro? Estamos dormindo num estúdio fotográfico, algo imenso, branco, com mil combinações de luzes e que nos leva a imaginar ensaio fotográficos. A mim, despertou um desejo enorme de escrever palavras por todos os cantos caiados, não sei se não vou me atacar um dia. Muito provavelmente até o final da quarentena estarei  pichando meu tédio por ali. Estamos indo bem, pensei, temos espaço, comida, já tomamos a vacina da gripe, estamos juntos e separados, tudo ao mesmo tempo, tudo certo, lavo as mãos outra vez, até para pensar tenho que lavar as mãos. Na primeira noite do acampamento dormimos com certa alegria, um revival dos tempos de colégio, providencias do espírito que por vezes aparece para salvar o humor das tragédias, mas às seis da manhã a vizinhança cobrou seu preço. O Euro latia para qualquer barulho, minha filha se remexia na cama e eu arregalei os olhos, como se estivesse buscando rede, tentei conectar a real dimensão deste pandemia com a realidade impotente dos homens, tudo em meio a vozes de vizinhos, chutes que o menino da casa ao lado dava na bola contra a parede, os lixeiros recolhendo os restos de uma rua inteira recolhida em suas casas, e os primeiros sinais de perigo. Estamos mesmo tomando todas as medidas para passar por esta doença?

Claro que não.

Me mudei outra vez ontem, para o mesmo lugar. Fomos, pela última vez, penso, no meu apartamento, buscamos todas as comidas do freezer, roupas de inverno, travesseiros, um brinco pequeninho, e nada mais. Preciso de um enfeite, um pijama, uma atitude proativa, um computador e uma esperança. Agora vai.

Estamos no quinto dia aqui, ou será que já é o oitavo, não sei. O tempo está passando diferente. Não preciso mais correr do escritório para ensinar, não vou nas casas nem nas empresas dar aulas de inglês. Meus alunos aparecem para mim com rostos intraduzíveis de espanto, medo e curiosidade. Primeiro se atrapalham com os aplicativos, depois comentam sobre o vírus e no final demostram uma certa alegria de me ver. Oi teacher!!! Aos poucos vão relaxando e, no término de uma hora, parecem vivos, algo como o obsoleto “yes, we can”.

Hoje levantei ocupada e de algum modo feliz. Entrei numa rotina nova: conheço o barulho do lixeiro, Euro não late mais para ruídos estranhos, minha filha tem EAD,  tenho aulas agendadas, tiramos do freezer o almoço, daqui a pouco vou pegar um sol e replantar algumas mudas, e depois quem sabe puxar de dentro da mochila os textos já impressos do meu romance/tese, e alinhar com as ideias que também terão tempo para se deslocarem para fora da mente. Preciso escrever, tenho que contar histórias, precisamos da arte, de modelos de empatia.  É tele-entrega gente.                                 

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