Se quiser participar, é só mandar um e-mail pra organizadora em juliadantas@gmail.com pra combinar uma data pro teu relato. Os participantes estão em Porto Alegre ou abandonaram a cidade temporariamente para a quarentena.

26.3.20

Dia 9: por Rodrigo Aguiar

Completei hoje 10 dias de confinamento. Eu e meu coroa em uma casa no litoral gaúcho, o que são duas novidades. Há muitos anos não passo tanto tempo sozinho com meu pai e há mais tempo ainda, acho que uns 15 anos, não vou à praia. Ao mar sigo sem ir, já que o acesso à areia foi interditado no dia em que chegamos.

Esse tipo de cidade passa uma sensação de tranquilidade e segurança na primeira camada à vista. Logo abaixo desta superfície que tenta imitar subúrbios de filmes americanos, as placas de empresas de segurança, pregadas em todas as cercas, explicam um pouco mais sobre a situação real e não deixam dúvidas de que o país desigual nos segue onde estivermos. Carros não se movimentam, mas motociclistas desse exército privado circulam o tempo todo. A casa – todas as casas – tem sensores para alarmar assim que alguém caminhe em pátios, salas e até quartos. Ao lado da porta principal, um botão de pânico – que, aliás, acionei sem querer. Um patrulheiro equipado para a guerra surgiu em dois minutos. Estranho e impressionante.

Eu e o coroa lemos o mesmo livro em um intervalo de poucos dias. Mesmo há tanto tempo sem prosas longas, não é do passado nem dos nossos trabalhos que falamos a maior parte do tempo. Conversamos sobre as impressões da leitura. Poderoso objeto esse, e poderosa a conexão que ele cria. Nos dá um respiro das redes sociais, que em minha bolha estão indignadas e aflitas com o que parece o fundo do poço de um processo político que aterrou o país nos últimos anos.

Nos finais de tarde tenho acompanhado os telejornais das principais redes de comunicação, outro hábito que perdi há tempo. Talvez o distanciamento tenha realçado a percepção de que apresentadorxs/repórteres falam como se do lado de cá da tela estivessem idiotas. Na melhor das hipóteses, adultos infantilizados. Entonações consternadas, linguagem tatibitate, conselhos sempre num tom grave de aula de moral e cívica. Um tom de quem vai cobrar, no dia seguinte, o que foi apresentado no dia anterior.

Na casa ao lado, um casal de jovens adultos lida com suas duas crianças, forçadas a evitar um mar coberto por um sol sedutor. Justo nesses dias o céu é o mais limpo do ano. Não sei se é possível explicar para aqueles pequenos exatamente o que as impede de cruzar algumas ruas e se esparramar no tapetão de areia que avistam da janela. Conforme os dias passam, a aparente normalidade parece que vai desbotando, e as crianças já não correm tanto pelo quintal, passam mais tempo dentro de casa, imagino que em celulares ou videogames. Quando menos gastam energia, mais se cansam. Assim como todos nós.

Não falamos muito sobre o que vai acontecer, sobre onde ou como estaremos nos próximos dias e semanas. À distância, e em geral durante a noite, acompanho amigxs artistas que têm dado aulas e feito apresentações ao vivo direto de suas casas. Tenho lacrimejado um bocado ao acompanhá-lxs e preparado o grande beijo que vou deixar em suas caras lindas quando a rua voltar à vida. Nestes dias em que até o Asterix enfrenta a morte ou coisa parecida, é um alento e tanto.

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