Se quiser participar, é só mandar um e-mail pra organizadora em juliadantas@gmail.com pra combinar uma data pro teu relato. Os participantes estão em Porto Alegre ou abandonaram a cidade temporariamente para a quarentena.

10.4.20

Dia 24: por Rafaella Fraga

Hoje é feriado. Mas todos os últimos dias vistos daqui, de dentro pra fora, parecem feriados. Não tem mais trânsito na Lima e Silva. Os bares da República estão fechados. Quase ninguém anda na rua.

Quando tudo isso começou, há mais de três semanas, eu estava de férias. Sem planos engenhosos, passaria uns dias em Torres, no Litoral Norte gaúcho. Ao pisar lá, a cidade emitiu um decreto fechando tudo pois um jovem de 18 anos havia voltado da Irlanda e, ignorando as recomendações para ficar em casa, foi a festas e bateu uma bola com amigos, colocando várias pessoas em risco, diga-se de passagem.

Foram 12 dias na praia, sem ir à praia. As redes sociais faziam questão de me avisar: "Quarentena não é férias", lia em dezenas de posts. Na verdade, eu estava de férias. Tinha assinado aviso de férias e tudo, privilegiada que sou por ter um emprego com carteira assinada. Mas, sim, quarentena não é férias. Não tinha como relaxar. Tinha ansiedade por voltar, mas desejava ficar. Sentia medo, angústia, insegurança. E culpa.

Abril chegou e eu voltei para minha casa, em Porto Alegre. Hoje é meu dia 10º dia de home office. Os colegas estão no ritmo há mais tempo. Eu ainda tenho muito o que aprender sobre isso. Não dá mais pra passar o dia inteiro de meia e chinelo de dedo. Pelo menos hoje coloquei brincos e passei filtro solar com cor (sabia que a luz dos eletrônicos é prejudicial?).

Percebo que não tenho estrutura para trabalhar aqui. Escolho um canto perto da janela, para pegar um pouco de sol. E perto da TV, pela necessidade de acompanhar o noticiário.

A cadeira é bonita, mas não é do tipo para passar horas a fio, sentada. A mesa, charmosa, é baixa, de modo que deixa o notebook longe demais para eu enxergar a tela e as teclas. E conforme eu me aproximo, mais dói a cervical. A conta disso vem à noite, na hora de dormir.

São oito horas sentada diante do computador lendo e ouvindo sobre coronavírus, covid-19, Sars-CoV 2. Não é porque quero, é porque preciso.

Brasil supera a marca de mil mortos.
Canoas, aqui do lado de Porto Alegre, e onde mora boa parte da minha família, tem o primeiro óbito.
Em Nova York, corpos das vítimas são enterrados em valas.
Reino Unido tem recorde diário de mortes. NOVECENTOS E OITENTA em 24 horas.
A Itália, que já foi o epicentro da doença, decide prorrogar o isolamento até maio - e começou antes de nós, embora tarde em relação a outros países.

Enquanto isso, por aqui, noto que alguns não percebem a gravidade. Ainda há um longo abril de isolamento social pela frente, e ainda assim a situação não deve se normalizar tão cedo. Segundo o Ministério da Saúde, junho e julho devem ter o pico de infecções aqui na Região Sul. E mais: o frio já está dando as caras. Acho que é só começo.

Do meu lado, no sofá, está Humberto, meu cachorro de pouco mais de um ano. Ele cochila com a cabeça acomodada na almofada, mas cada movimento que faço para servir o chimarrão, ele salta, na expectativa por um passeio. Quando percebe que é alarme falso, claramente se chateia. Em seguida, se mostra irritadiço: corre pela sala, late e cheira a porta da saída quando algum vizinho passa pelo corredor. Até ele já sente os sintomas do confinamento.

Fim da tarde, encerro o expediente. Coloco a máscara de pano e saio com ele, como faço diariamente, há 10 dias. Ele (e até eu) precisamos sair um pouco deste apartamento, penso, tentando me sentir menos culpada por sair de casa por 30 minutos.

Desta vez, vamos dar uma volta na Redenção. Embora preso na guia, ele corre, salta e interage com outros cães. Fico feliz por ele estar feliz, na rua. É um cachorro de um ano, tem energia de sobra ainda. Mas logo me entristeço observando a quantidade de gente que chega no parque. E me sinto mal de também fazer parte daquilo. Chamo o Beto de volta pra casa.

18h de uma sexta-feira. SEXTOU.

A louça do almoço ainda está na pia. O tapetinho de yoga ainda está enrolado, na área de serviço. Tem roupa pra lavar. Sapatos pra organizar. Preciso passar aspirador nessa sala.

Tanto tempo livre e eu ainda não me organizei para usá-lo. Aprende a cozinhar, se matricula em um curso online, medita, eles dizem. Difícil ser produtiva nesses tempos. Parece que quanto mais tempo eu tenho, menos sei o que fazer com ele.

Quantas vezes desejei ficar em casa. Hoje só queria poder sair. Ir tomar um café com a minha mãe. Dar uma volta com meu irmão. Encontrar as minhas amigas. Sair para jantar com meu namorado. Abraçar forte todos eles.

Pego um livro e não consigo me concentrar para ler mais de 10 páginas. Só penso no depois: qual a primeira coisa que vou fazer quando tudo isso passar? Como vamos viver depois que tudo isso passar? Quando isso vai passar? Isso vai passar?

Vai passar.

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