Eu tinha os meus planos detalhadamente idealizados, as
minhas aulas, os meus amigos... Quando foi a última vez que saí de casa? 19 de
março? 19?! Parece que faz meses, anos! Quero poder sair! E os meus direitos de
ir e vir, Coronavírus? Essa regra não se aplica a mim, mas pelo jeito, funciona
com os meninos que moram aqui perto. O dia todo circulam pela rua em suas bicicletas,
uniformizados com suas máscaras hospitalares; já um pouco encardidas pelo uso
frequente. Não temem o perigo que é impossível de ver ao olho nu. Será que é só
eu que está morrendo de medo? Vão pra casa, gurizada!
Minha irmã mais velha e eu seguimos os nossos dias na
frente de casa, trabalhando. O mini mercado de bairro dos meus pais já não pode
mais funcionar com os portões abertos – ordem do prefeito – e meus pais não
devem nem sequer atender a nenhum cliente; agora ficam agoniados com outros
afazeres. Durante esse tempo, eu e minha irmã revisamos entre turnos quem ficará
trabalhando. Somos como uma vanguarda no campo de batalha.
O movimento dos clientes é escasso, o que para mim não
é tão ruim: leio os meus livros, estudo, cuido as minhas plantas, faço as
palavras cruzadas do jornal. Tudo para manter a minha mente ocupada; fingindo
que não estou em uma quarentena. Engano que não tenho medo, que não estou
preocupada. Nisso vem um cliente ou outro. Impressionante como cada um diz uma
coisa em relação a pandemia: um viu na televisão que estão criando uma vacina,
outros dizem que tudo é puro exagero; há também quem está procurando o
precisado álcool gel. Mas para todos tenho o mesmo cuidado: lavo as minhas mãos
desesperadamente. Entrego o produto e o troco, saiu em passos largos até a pia,
esfrego com tanta força as minhas mãos com o sabonete (que já não suporto mais
o seu perfume enjoativo de rosas) e parece que consigo sentir o vírus
escorrendo pelos meus dedos até o ralo. E aí vem o alivio. Estou salva.
No fim da tarde, uma das minhas últimas clientes, a
Maria. Ou como costumo chamá-la, Mariazinha, por ser uma senhora tão baixinha e
delicada. Fico incrédula que uma senhora de sua idade – de chinelo e saia longa
neste vento frio – esteja andando na rua. Mas com toda firmeza, ela me diz: “Eu
estou protegida por aquele lá de cima”, apontando o dedo para o céu, para
alguém que não precisa fugir do Coronavírus. Tento explicar os fatos, as
notícias, as recomendações; tudo que está ao meu alcance. Ela segue dizendo
“isso é castigo de Deus com aqueles que não o respeitam, que fazem maldades”, e
prosseguiu, “Eu estou rezando! Ele me protege!”. Sabia que não havia nada que
eu pudesse dizer que a faria mudar de opinião, mas, naquele instante, queria
tanto que ela tivesse razão. Não sou uma pessoa religiosa, mas ela é. Por
acaso, se ela dissesse que talvez esse castigo já durou o tempo suficiente,
isso acabaria, não é? Se foi um castigo mesmo, estamos arrependidos! Queria que
isso acabasse, que eu não precisasse mais temer esse vírus ou me preocupar com
as crianças na rua. Quero ler os meus livros no D43, sentindo o sol que vem da
janela do ônibus, em direção a aula. Acreditar que tudo o que planejei será
possível e realizado. Pois é cansativo temer pelos meus pais e por aquele
número de mortos que não para de crescer. Esses dias parecem eternos e talvez
serão.
Enquanto isso, o que me resta é aguardar no lado da
Chuchu. Talvez ela me passe um pouco dessa segurança dela até o fim dessa
quarentena.
Q bom ter uma Chuchu ao lado! Sem dúvida uma boa companhia q nos faz lembrar daqueles q não sabem o que está acontecendo neste mundo estranho. Bom estímulo para desligar-se, vez ou outra. Já estamos em agosto!
ResponderExcluirTambém escrevi aqui no diário, meu dia é o 99.