Se quiser participar, é só mandar um e-mail pra organizadora em juliadantas@gmail.com pra combinar uma data pro teu relato. Os participantes estão em Porto Alegre ou abandonaram a cidade temporariamente para a quarentena.

14.4.20

Dia 28: por Tatieli Bertotti

O sol vai e vem enquanto passo a maior parte do meu tempo atrás das grades em frente à minha casa. Gosto da sensação do sol quente esquentando os meus pés, durante a minha profunda leitura no meu livro. Do meu lado, a minha fiel escudeira, a Chuchu. É impressionante como é idêntica ao Ajudante do Papai Noel dos Simpsons; até mesmo deitada na cama improvisada que fizemos. Para ela tanto faz se o mundo está um caos por causa de uma pandemia, o assustador número de mortos ou se um vulcão entrou em erupção na Indonésia. Tanto faz. Está aí uma calma que eu não tenho. Depois disso tudo, sou mais ansiedade do que gente.

Eu tinha os meus planos detalhadamente idealizados, as minhas aulas, os meus amigos... Quando foi a última vez que saí de casa? 19 de março? 19?! Parece que faz meses, anos! Quero poder sair! E os meus direitos de ir e vir, Coronavírus? Essa regra não se aplica a mim, mas pelo jeito, funciona com os meninos que moram aqui perto. O dia todo circulam pela rua em suas bicicletas, uniformizados com suas máscaras hospitalares; já um pouco encardidas pelo uso frequente. Não temem o perigo que é impossível de ver ao olho nu. Será que é só eu que está morrendo de medo? Vão pra casa, gurizada!

Minha irmã mais velha e eu seguimos os nossos dias na frente de casa, trabalhando. O mini mercado de bairro dos meus pais já não pode mais funcionar com os portões abertos – ordem do prefeito – e meus pais não devem nem sequer atender a nenhum cliente; agora ficam agoniados com outros afazeres. Durante esse tempo, eu e minha irmã revisamos entre turnos quem ficará trabalhando. Somos como uma vanguarda no campo de batalha.

O movimento dos clientes é escasso, o que para mim não é tão ruim: leio os meus livros, estudo, cuido as minhas plantas, faço as palavras cruzadas do jornal. Tudo para manter a minha mente ocupada; fingindo que não estou em uma quarentena. Engano que não tenho medo, que não estou preocupada. Nisso vem um cliente ou outro. Impressionante como cada um diz uma coisa em relação a pandemia: um viu na televisão que estão criando uma vacina, outros dizem que tudo é puro exagero; há também quem está procurando o precisado álcool gel. Mas para todos tenho o mesmo cuidado: lavo as minhas mãos desesperadamente. Entrego o produto e o troco, saiu em passos largos até a pia, esfrego com tanta força as minhas mãos com o sabonete (que já não suporto mais o seu perfume enjoativo de rosas) e parece que consigo sentir o vírus escorrendo pelos meus dedos até o ralo. E aí vem o alivio. Estou salva.

No fim da tarde, uma das minhas últimas clientes, a Maria. Ou como costumo chamá-la, Mariazinha, por ser uma senhora tão baixinha e delicada. Fico incrédula que uma senhora de sua idade – de chinelo e saia longa neste vento frio – esteja andando na rua. Mas com toda firmeza, ela me diz: “Eu estou protegida por aquele lá de cima”, apontando o dedo para o céu, para alguém que não precisa fugir do Coronavírus. Tento explicar os fatos, as notícias, as recomendações; tudo que está ao meu alcance. Ela segue dizendo “isso é castigo de Deus com aqueles que não o respeitam, que fazem maldades”, e prosseguiu, “Eu estou rezando! Ele me protege!”. Sabia que não havia nada que eu pudesse dizer que a faria mudar de opinião, mas, naquele instante, queria tanto que ela tivesse razão. Não sou uma pessoa religiosa, mas ela é. Por acaso, se ela dissesse que talvez esse castigo já durou o tempo suficiente, isso acabaria, não é? Se foi um castigo mesmo, estamos arrependidos! Queria que isso acabasse, que eu não precisasse mais temer esse vírus ou me preocupar com as crianças na rua. Quero ler os meus livros no D43, sentindo o sol que vem da janela do ônibus, em direção a aula. Acreditar que tudo o que planejei será possível e realizado. Pois é cansativo temer pelos meus pais e por aquele número de mortos que não para de crescer. Esses dias parecem eternos e talvez serão.

Enquanto isso, o que me resta é aguardar no lado da Chuchu. Talvez ela me passe um pouco dessa segurança dela até o fim dessa quarentena.

Um comentário:

  1. Q bom ter uma Chuchu ao lado! Sem dúvida uma boa companhia q nos faz lembrar daqueles q não sabem o que está acontecendo neste mundo estranho. Bom estímulo para desligar-se, vez ou outra. Já estamos em agosto!
    Também escrevi aqui no diário, meu dia é o 99.

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