Se quiser participar, é só mandar um e-mail pra organizadora em juliadantas@gmail.com pra combinar uma data pro teu relato. Os participantes estão em Porto Alegre ou abandonaram a cidade temporariamente para a quarentena.

18.4.20

Dia 32: por Francisco Luz

Para quem gosta de rotina, e tinha tudo bem esquematizado para cada dia de trabalho, duro mesmo foi encarar a súbita mudança. O que era só uma possibilidade na quinta-feira, e de repente passou a ser programado para algum momento mais à frente na sexta, virou realidade na segunda seguinte. Isso foi há um mês. Pelo menos dá para inventar uma nova rotina em um mês. Mas não é a mesma coisa.

Para quem gosta de dirigir, não poder encarar a estrada todo dia não chega a ser algo ruim. É mais como um incômodo, algo que te faz falta mas tudo bem, deixar o carro parado e economizar gasolina tem lá suas vantagens. Só o que o incômodo está sempre presente. Principalmente quando tu percebe que aqueles oitenta minutos encarando a cento e dezesseis e a quatro quatro oito — quarenta e cinco minutos na ida a Porto Alegre, trinta e cinco na volta a Novo Hamburgo, quase sempre com pouco trânsito pelo privilégio de trabalhar de tarde e de noite — eram o único momento do dia em que tu não precisava pensar em mais nada. Ninguém podia te pedir nada. Era só tu, o carro, o rádio e a tentativa de driblar a barbeiragem alheia. Em casa, todo mundo sabe que pode te pedir qualquer coisa, e tu tá sempre disponível. Sempre.

Para quem gosta de ficar em casa, sem compromisso nenhum, é brutal demais ver aquele espaço em que tu nunca precisou pensar nas xaropices do expediente transformado, de repente, em escritório. Era tão bom abrir a porta e saber que, daquele momento em diante, tu não tinha obrigação profissional nenhuma. Agora, tu tem horário para sair do sofá e sentar na mesa, tirada às pressas do quarto em que servia para guardar roupa de cama. E sem aqueles quarenta e dois quilômetros que separavam os dois mundos.

Para quem estava acostumado a trabalhar em uma redação com duzentas pessoas todo dia, as horas demoram demais a passar. É muito difícil matar tempo quando não tem ninguém com quem conversar, e a distância máxima que tu caminha é da sala para a cozinha. Não leva dez segundos.

É brabo admitir, mas, para quem tinha convicção de que nunca sentiria saudades do trabalho, a coisa que mais te afeta é exatamente isso. E a perspectiva de que ainda não existe a menor previsão para retomar essa normalidade específica, em que tu só serve para fazer o que os outros mandam e perde tempo útil do que deveriam ser os melhores anos da tua vida, torna cada dia um pouquinho pior do que o seguinte.

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