Se quiser participar, é só mandar um e-mail pra organizadora em juliadantas@gmail.com pra combinar uma data pro teu relato. Os participantes estão em Porto Alegre ou abandonaram a cidade temporariamente para a quarentena.

22.4.20

Dia 36: por Marcela Panke

Meu despertador tem sido o meu filho Nícolas, de quatro anos: "mamãe, vâmo pá sala?". Depois do café, ele me convida para brincar. Não precisa de muito. Bastam os bonecos de papel que desenhamos juntos para arrancar gargalhadas gostosas dele. Nic não parece sentir muita falta da vida de antes do confinamento. Tem a mãe e o pai por perto, os seus brinquedos e a sua imaginação fértil. Às vezes ele pergunta algo como "quando o coronavírus morrer, a gente pode viajar de novo, mãe?". De vez em quando, diz que tem saudades dos amigos da escola. Principalmente nos dias em que estou mais introspectiva e menos participativa nas brincadeiras. Aí ele sente.

Tem dias que penso que eu piraria sem ele. Meu filho enche os meus dias de afeto e de esperança. Quando os seus olhinhos brilhantes me encaram, pedindo um beijo, tudo o que parecia assustador lá fora fica do tamanho de um grão de feijão. Só que tem dias que são mais difíceis, e aí eu fico com pena dele, que não merecia me ter assim. "Cadê o sorriso, mamãe?", pergunta, e eu tento fingir alegria, mas não engano: "Mamãe, você tá triste". Ao mesmo tempo, não quero enganá-lo, porque a vida é assim, a gente nem sempre está bem. Ainda mais no meio de um furacão como o que estamos vivendo, que vai devastando tudo, derrubando nossas certezas e nos lembrando que a mudança e a morte talvez sejam as únicas que podemos ter.

Faz mais de 30 dias que estamos em casa. Levar o lixo lá fora e sentir o sol no rosto é uma das maiores emoções dos nossos dias. Quer dizer... isso é para mim. Para o Nícolas, nossos dias são incríveis! Corremos por vales encantados e encontramos vilões que combatemos e derrotamos em equipe, saltamos até o céu pulando na cama e voamos sobre florestas cheias de animais coloridos. Quando inicio minha rotina de trabalho em casa, o papai, que sai para trabalhar bem cedo, já está de volta e assume a diversão. Da sala, enquanto trabalho, me delicio com as gargalhadas e gritinhos que vêm do quarto.

Enquanto eles riem, eu mergulho no universo da notícia, que é com o que eu trabalho. Nunca lidei com tantos números, muito menos números tão indigestos. São centenas e milhares de mortos por coronavírus a cada 24 horas em diversos países. A pandemia se alastra em uma velocidade maior do que eu consigo digerir. Não bastasse isso, aqueles que, como eu, trabalham com a informação, recebem ataques daqueles que acham que tudo não passa de uma invenção, de uma conspiração. Todos os dias, por oito horas, eu visto a minha armadura e sigo em frente, tentando não chorar pelas famílias que perderam seus entes queridos e sequer poderão se despedir em um funeral digno, tentando não desistir do brasileiro e tentando não me abalar pelas agressões.

Encerro a minha jornada à meia noite, quando vou para o nosso quarto e encontro o meu anjo repousando ao lado do pai na nossa cama. Me aconchego no seu pescocinho perfumado, buscando o alívio da batalha diária. Mesmo já dormindo, todas as noites ele pega a minha mão, enrola os dedinhos nos meus, dá um suspiro demorado e finalmente cai num sono profundo, como quem diz: agora está tudo bem. Se eu pudesse, seria isto o que eu diria para ele: sim, meu filho, agora está tudo bem!

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