Posiciono-me ante ao espelho retangular do banheiro, observo-me e encontro coisas que não queria. Fito-me despassadamente, numa profundeza exacerbada, como se quisesse descobrir o que eu mesmo estaria pensando. E se estivesse, não conseguiria. Os últimos dias têm sido difíceis. Da janela, observo a vida se esvaindo lentamente. No céu, as nuvens que outrora movimentavam-se com facilidade, agora estão paralisadas, sorrateiramente. Procuro encontrar forças para seguir, mas deparo-me com angústias. Do parapeito, respiro profundamente o ar gelado e úmido da manhã que despontara. Sinto um cheiro repulsivo de morte. “E daí? Lamento, quer que eu faça o quê?”. Mirando o horizonte, sinto que o cenário é catastrófico. E olha que nunca fui de sentir muitas coisas. Quase nada. Num ato saudosista, bebo uma xícara de café requentado e não penso em nada. Absolutamente nada. É um exercício pungente, confesso, guardar de si mesmo o próprio pensamento. Mas eu o faço. Melhor assim. Os últimos dias têm sido difíceis. Não consigo ficar longe de mim.
ouço buzinas
janelas se fechando
e vozes se confundindo
ante a iminência da
morte.
um carro veloz cruza a
rua vazia
e os sons das quatro
rodas sobre
o paralelepípedo
invadem o cômodo
em que estou prostrado.
escovo os dentes
mas o gosto amargo da
vida
permanece em minha
garganta
é denso
é viscoso.
esperançoso
deito-me no sofá / olho
para o teto
e
encontro apenas rachaduras.
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