Se quiser participar, é só mandar um e-mail pra organizadora em juliadantas@gmail.com pra combinar uma data pro teu relato. Os participantes estão em Porto Alegre ou abandonaram a cidade temporariamente para a quarentena.

9.5.20

Dia 53: por Claudia Gelb

Sempre fui mundana, ao mesmo tempo que uma ostra. Portanto, poucas pessoas conhecem o meu “infinito particular”, ou o inferno e a complexidade dos meus sentimentos. Não gosto de imposições ou regras, não gosto. Passei a vida com a crença de ser dona de mim. Não sou.

São tantas as demandas e tarefas em meio ao confinamento que, a princípio, para não me perder, fui uma garota comportada. Não tão garota, sempre desconfiei que sou imorrível, posto que a alcunha de imortal foi dada a Sandy há muito tempo. Hoje, sendo bem clichê, meu mundo caiu. Não posso fugir da verborragia tampouco da velocidade dos meus pensamentos, bem como das referências literárias e musicais das quais sou composta. 

Então eu acordei tarde, de bode, como diria o meu amigo Eduardo. As paredes e cômodos que me abrigam são em número pequeno, mas quanta fantasia, memória e enfado comportam! Se eu fechasse os olhos e pensasse em um lugar calmo, tal e qual nessas meditações que são propostas com a finalidade de acalmar a mente, seria o nirvana. Seria, do verbo não é. Vivo no limiar entre uma aparente calma e o tédio.

Lembro de tanta coisa boa que vivi, gente bacana que conheci, e outras tantas histórias que queria apagar com sangue, mas infelizmente há que se seguir as leis. É natural que nesses dias eu mate um pouco de mim. E mesmo nesse processo de lobotomia, a parte do cérebro que pulsa me dá a impressão de que não, não vai passar. Não há mais tempo. Não haverá criança esperança ou a empreendedora que começou a fazer sucesso. Tento reconstruir mentalmente meus cacos, ao mesmo tempo que verifico a respiração constantemente. Para o bem ou para o mal, ainda estou aqui.

Se eu estiver errada, porque minhas ideias vagueiam entre passado, presente e futuro (uma grande confusão), gosto de pensar na utopia de um mundo à la Imagine, do John. Mas onde é que há gente no mundo? Na televisão, não. Nas redes sociais, são outros os carnavais, compostos de um samba de uma nota só. Ou duas, pois nos tempos atuais, paradoxalmente, ou se é lado A ou B.

E eu me pergunto: para quê? Por que diabos é que tenho que ceder ou aquiescer? A quarentena me deu clareza e coragem para me aceitar e, pasmem, até me amar. Talvez, como já disse, não haja tempo de ninguém perceber. A única certeza é que isso já não importa. A mulher agradadora está morta. Não faz a mínima diferença como se deu a redenção. Não se ensina isso nessa vida de gado que tentam nos impor. Aconteça o que acontecer, não me enredo mais. Se eu der sorte, que eu entre para os anais.

3 comentários:

  1. Obrigado pelo teu texto amiga querida, trouxe um pouco de alento a este dia difícil, talvez o mais lamurioso até aqui. Entre desistências e resistências, vamos em frente. Um dia de cada vez. Beijo.

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  2. Que bom que temos um ao outro, sempre. Angústia é fala entupida. Conta comigo, amigo! Beijo.



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  3. "Aconteça o que acontecer, não me enredo mais." Que texto bem bom ��

    (Eva Mothci)

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