Se quiser participar, é só mandar um e-mail pra organizadora em juliadantas@gmail.com pra combinar uma data pro teu relato. Os participantes estão em Porto Alegre ou abandonaram a cidade temporariamente para a quarentena.

26.5.20

Dia 70: por Felipe Zanini

Sabotando a rotina de sono que estou tentando seguir há alguns dias, encontro-me na escuridão do meu quarto, possibilitada pelas cortinas blecaute que cortam a luz do poste da rua que fica praticamente em frente à minha janela.

Algumas semanas atrás, uma amiga minha colocou dicas de leitura em seu stories do Instagram. Uma delas foi que, para ler mais, ela costuma ler antes de dormir. Como é uma pessoa ansiosa, a leitura a impede de ficar pensando sobre as mil e uma possibilidades de como as coisas poderiam ter sido ou poderão ser. Ao mergulhar entre as páginas de um livro, ali fica presa até que, eventualmente, dorme.
Tenho seguido essa dica e tem funcionado. Na verdade, eu não leio antes de dormir para ler mais, leio antes de dormir para, de fato, dormir. Hoje isso é nítido pra mim: estou deitado há mais de uma hora com a tela do celular próxima a meus olhos e o sono que estava acostumado a sentir já pelas 23:30 se foi por completo (já são 00:40).

Pack yourself a toothbrush, dear
Pack yourself your favourite blouse

É claro que tinha que ser essa música que o Spotify colocaria no aleatório. Você (ou “tu”, tanto faz. Nunca me importei muito com isso) já parou para assistir o clipe de Sleep on the floor, da banda The Lumineers? É a mesma banda que fez aquela música que ficou muito famosa alguns anos atrás em que várias vezes é dito "ho, hey" (esse é o título, a propósito). Eu sei que o clipe é só uma parte da narrativa que eles criaram para seu último álbum/EP ou qualquer-que-seja-o-nome-disso (adoro colocar hífens entre as palavras, mesmo não sabendo se é apropriado), mas que pode ser assistido separadamente. Eu considero um clipe meio desconfortável. Vou te resumir (não me pergunte por que aqui escolhi te tratar como “tu” e não “você”): a moça está no enterro do pai e tem tipo uma visão da Raven, sabe? (Millennials, uni-vos) Ela enxerga como sua vida pode ser se fugir com o namorado. Aí segue a história: eles pegam um carro, viajam por aí, se casam e nunca mais retornam. Mas ela não foge com ele.

'Cause if we don't leave this town
We may never make it out

Como se já não me bastassem as diversas crises existencialistas que tenho ao ver as pessoas caminhando pela rua da janela do meu quarto (a propósito, moro algumas quadras de distância da Willi, que teve seu texto publicado uns dias atrás. Fica aqui o registro que vou convidá-la para um café e bolo pós-pandemia) e das noites em que deito na rede que tenho ao lado da janela da sala, de onde passo alguns longos quartos de hora admirando as estrelas que têm se tornado cada vez mais brilhantes desde o início do isolamento, meio que ignorando o fato que quase nunca são visíveis no céu porto-alegrense, o clipe do The Lumineers me faz pensar em coisas que poderia ter feito, em instintos que poderia ter seguido e, principalmente, em pessoas a quem poderia ter me entregado.

Já desisti de dormir. Estou na cadeira que tenho ao lado da janela do quarto. Levantei as cortinas blecaute até a metade e abri a janela. Está frio, mas tenho duas cobertas sobre meu corpo. O vento parece brigar comigo, me empurrando, me fazendo tremer um pouco, mas tenho esperança que isso me acalme e me faça relaxar. Um casal passa de mãos dadas na rua.

Há alguns bons anos assisti Principe Caspian, da saga As crônicas de Nárnia, e eu lembro até hoje uma fala de Aslam (aquele leão-falante, sabe?): "Não vale a pena pensar em como as coisas poderiam ter acontecido, porque isso nós nunca saberemos". Talvez não tenham sido essas as exatas palavras, mas essa era a ideia, basicamente.

Por que cheguei até aqui?

I was not born to drown.

Ah sim, claro. A música do The Lumineers (agora já mudou pra um reggaeton qualquer, mas tudo ok).

Essas crises existencialistas que tenho ao olhar para as pessoas, ou para as estrelas, são as mesmas que me fazem escrever. Ainda não achei o estilo exato que tenho mais afinidade com. Às vezes sinto que não sou bom nem para conto, nem para romance, nem para poesia, nem para crônica, nem para qualquer-que-seja-outro-formato-de-texto-literário-que-não-esse-que-escrevo-agora. Mas é nesse ritmo, meio que vomitando as palavras que tenho soltas dentro de mim, que tenho escrito mais. Essas noites em que paro para observar as estrelas, são as que me sinto mais solitário, pois me sinto um mísero grão de areia em meio a imensidão do universo de constelações que marcam o céu noturno. Estranho, acabei de reparar que as estrelas são bem frequentes em meus textos. Mas, voltando. Essas noites em que paro para observar as pessoas caminhando na rua, são as que me sinto mais perdido, pois fico imaginando qual o trajeto que elas seguem, se tem família, se tem ambições, se tem amores. Qual o seu destino? Qual o nosso destino? Há um destino? Essas noites em que eu paro, são as que me sinto mais fluido. Não é nem que eu me sinta inspirado, sabe? Eu só sinto que as palavras vão pro papel, ou para a tela do computador, de maneira mais natural, mais corrente, feito água. Escrevo fluxos de consciência, ao estilo do que estou escrevendo agora, mas que são muito mais profundos. 

Meu objetivo com esse texto? Não sei. Acho que quero apenas deixar um pouco da oscilação da minha produção literária em meio ao caos atual. Meu professor de não ficção disse uma vez que tenho aptidão para escrever sobre sentimentos. Espero que isso não tenha ficado tão profundo.

Já fechei a janela e voltei para a cama. Meu deus, como está frio. Opto por não colocar um alarme no celular, porque não preciso levantar cedo amanhã, então me darei ao luxo de acordar o horário que meu corpo quiser. Boa noite.

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