Uma das primeiras coisas que estranhei no início dessa pandemia foi ter ganho um pacote de máscaras descartáveis de um dos dois amigos que decidi seguir encontrando apesar de tudo. No início, éramos três amigos que viviam só, que, apesar das críticas dos demais, continuamos fazendo encontros semanais. O amigo que nos presentou com as máscaras trabalhava na área da saúde e decidiu dividir as que tinha entre os três. Quando nos entregou, disse, usem caso fiquem doentes e precisem ir a algum hospital. A ideia, também, era usar caso um de nós ficasse doente e precisasse da visita do outro para algum auxílio. Ainda não pensávamos que a máscara seria um acessório necessário para uso nas ruas, no supermercado, nas manifestações, enfim, em todo lugar de aglomeração, mesmo quando não estivéssemos nos sentindo doentes.
Coloquei as máscaras descartáveis que ganhei na estante que fica na entrada do meu apartamento. Nas primeiras vezes que as usei para ir ao supermercado, tive uma sensação de sufocamento, os óculos embaçavam dificultando a visão, fazendo eu me sentir pior. Nessas vezes, eu ainda era um dos poucos que as usava naquele lugar. Nem a senhora com mais de sessenta anos que pesava as frutas usava. Um dia tentei fazer duas máscaras de pano, prevendo que as descartáveis que tinha iam logo acabar, mas me decepcionei com o resultado e decidi comprar prontas. Num outro dia, fiquei mostrando minhas máscaras adquiridas numa videochamada com uma amiga, eu com cinco, ela, que mora com o namorado, com quinze. Vários modelos e maneiras de prender a máscara. Conversávamos sobre a dificuldade de encontrar um modelo que se ajustasse bem aos nossos diferentes formatos de rostos. Já era o tempo da máscara ser uso obrigatório e eu já não me sentia mal quando usava.
O amigo que me deu as máscaras ia embora do Brasil em março, há muitos meses, planejava viver em outro país. Ele juntou dinheiro e pediu as contas no trabalho. Chegou março, ficou sem emprego, mas não pôde viajar, a pandemia chegava no Brasil e ninguém sabia direito o que fazer. Hoje acho que as pessoas sabem menos o que fazer em relação ao caos político que enfrentemos do que em relação a pandemia. Tanto que meu amigo, corajosamente, pra mim, irresponsavelmente, pra outros, nesta semana, foi para Londres, em meio a pandemia. Até a semana passada, nos encontrávamos os três todos os domingos desde o início de março, comíamos bolo, tomávamos café e jogávamos cartas.
Hoje, no tradicional encontro de domingo dos três amigos, só havia eu e mais o outro amigo que aqui ficou. Tinha bolo e cartas também. Tentamos jogar canastra, um dos jogos que os três gostavam de jogar, mas ficou sem graça jogar com apenas dois jogadores. Depois de uma partida, chegamos a essa conclusão. Pensamos então em outros jogos que seriam divertidos de jogar entre duas pessoas. Na próxima semana, vamos experimentar jogar xadrez. Enquanto jogávamos e bebíamos café, recebemos a ligação do amigo que agora está em Londres. Cada um falou sobre como está e cogitamos jogar canastra online em algum dia.
Depois de muitas conversas com o amigo que aqui ficou, café, bolo, um jogo de cartas sem a mesma graça de antes, uma videochamada, coloquei minha máscara para voltar pra casa, a de modelo que não se ajusta muito bem ao meu rosto. No caminho da Cidade Baixa ao Centro, quase todas as pessoas com quem cruzei na rua estavam usando máscara. Pelo menos uma, eu conhecia. Se não estivéssemos de máscara, penso que teríamos nos cumprimentado e talvez até parado para uma conversa. Mas estávamos de máscara, quando eu o vi, sorri, mas ele não viu meu sorriso e não me reconheceu, apenas cruzamos um pelo outro. Nessa semana, que acaba hoje, comprei mais máscaras de outros modelos pela internet, para ver se se adaptam melhor ao meu rosto, espero que cheguem na próxima semana. Ainda tenho algumas máscaras descartáveis que ganhei do meu amigo guardadas na estante, essas, apesar de descartáveis, são muito boas de usar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário