Nos longínquos meses de janeiro e fevereiro, quando o vírus mais famoso do momento aterrissou no solo europeu, pensei: então já era; vou fazer de um jeito que ela não vai esquec... Opa, me deixei levar. É só me distrair um pouco que as sequelas aparecem (enfim, prosseguindo). Em algum momento o tal micróbio virá para o Brasil, país tropical que possui natureza tão exuberante quanto há de desigualdade socioeconômica. A catástrofe sanitária estava anunciada.
Em meados de março, a UFRGS – onde estudo – decretou pausa no ensino presencial. Incrivelmente, apesar de não parecer, já passaram mais de 100 dias nessa quarentena. Ainda fica a sensação que nada está acontecendo. Não conheço ninguém infectado, muito menos que faleceu às custas da doença. POA, que inclusive detinha um posto seguro em comparação ao resto do país, já está com a corda no pescoço. Pressões de todos os lados induzem os governos municipal e estadual a afrouxar medidas, mesmo com índices cada vez mais negativos. Entretanto, observando tudo o que ocorre no planeta, fica impossível não ferver de ódio ao constatar a grande inoperância de outros governadores e principalmente o da esfera federal, justamente aquele indivíduo que balbuciou mentiras, incentivou aglomerações, desdenhou dos mortos... vou parar por aqui, não vale a pena... ainda não, pelo menos.
Em termos mais pessoais, tentei utilizar o tempo de sobra – quando ainda não havia aulas à distância – para enraizar hábitos que julgava pertinentes, todos ao mesmo tempo. Fazer 1h de atividade física, meditar pela manhã e à noite, ignorar meu niilismo existencial, comer verduras. Meu recorde foi de 4 dias: eles sempre desabavam no fracasso (exceto o niilismo, companheiro de sempre, parceria verdadeira). A preguiça universal para realizar qualquer atividade demonstrou que possui mais potencial do que eu pensava. Os primeiros dias de isolamento foram passados deitados na cama, saindo apenas para comer e tomar banho. Nessa situação, uma TVP era mais assustadora que a própria pandemia. Deixa eu ver aqui quanto custa a heparina... aos poucos, com a retomada do ensino (à distância), uma espécie de rotina retornou à minha vivência, porém nem de longe parecida com a normal de outrora.
O que mais sinto falta, sem dúvidas, é caminhar por aí, especialmente perto de padarias. O cheiro irresistível entrando nas narinas, seguido do calafrio gostoso na espinha. Batalhar contra a vontade de se deliciar com certos alimentos açucarados é algo imprescindível ao meu ser – até porque em 94% das ocasiões, eu perco; não tem graça pedir por aplicativos (apesar de que o faço, do mesmo jeito). Tentei aprender alguns dotes culinários (envolvendo docinhos, é claro). Logo notei que não tinha muita paciência, queria era degustar mesmo, de preferência com agressividade e com mordidas pesadas (Oi, Freud?). Como moro com pessoas de risco, e que levam a sério tudo isso, virei o agente do exterior. Agora me resta aguardar as idas ao supermercado. Me visto, penteio o cabelo, passo sabão nos óculos para não embaçar (dica do FSF), desço na porta do prédio, saio e lembro que não peguei a maldita máscara. Passo em cada corredor, com muita calma, olhando os diversos produtos existentes. Faço questão de voltar a pé, mesmo com infinitas sacolas – aproveito e paro no meio do caminho, respiro fundo, espirro 3x (rinite e seus momento inoportunos de aparecer) e vejo a cara assustada das tias que passam do meu lado, fofocando sobre os vizinhos.
Esperaremos um bom tempo ainda. Talvez haja uma vacina nesse ano. Imagino o reencontro com amigos, no bar, falando besteira. A vida parece simples nessa ótica: é justamente essa a lição que busco aprender e desenvolver durante o tempo de eremita que me resta.
Fernando incrível sempre... saudade.
ResponderExcluir