Se quiser participar, é só mandar um e-mail pra organizadora em juliadantas@gmail.com pra combinar uma data pro teu relato. Os participantes estão em Porto Alegre ou abandonaram a cidade temporariamente para a quarentena.

5.7.20

Dia 110: por Luís Eduardo Gomes

Uma pequena vitória

Recebi o convite para escrever um relato para este espaço tão bem ocupado nos últimos 100 dias e, confesso, não sabia sobre o quê. Afinal, os dias vêm e vão e o que há neles que mereça ser contado?

Isolados em casa desde que retornamos de viagem no dia 15 de março, eu e minha esposa acordamos, trabalhamos, jogamos videogame, namoramos, assistimos a algo no Netlix e dormimos. Repete tudo de novo no dia seguinte. A rotina só muda no sábado, dia de faxinar o apartamento.

Em tempos de grande sofrimento, não há dúvidas de que esta é uma rotina de privilégios. Logo, um lamento passa longe do tom do texto que me sinto autorizado a escrever. É claro que sentimos, é claro que dói não ver os pais, de ambos, há três meses. Mas eles estão aí, de pé, saudáveis, à espera dos abraços quando tudo isso passar.

Compartilho, então, uma mensagem mais otimista. De uma pequena vitória, irrelevante no grande esquema das coisas, mas uma vitória ainda a ser celebrada no nível pessoal.

Ao contrário do meu irmão, que tem aversão a bebidas com gás, sempre tomei muito refrigerante. Na infância, minha mãe tentava limitar aos finais de semana, sem muito sucesso.

Tomo bastante água, gosto de suco, chá gelado e outras alternativas, mas o refri vinha me acompanhando cada vez mais nos últimos anos. Especialmente a Coca-Cola.

Sim, eu sei que se trata de um veneno. Fui bem avisado nos últimos 400 almoços de família. Mas é um veneno que oferece uma recompensa imediata. Um copo bem gelado, de preferência no início da cristalização, é um carinho na alma.

E, não é que eu não saiba dos malefícios, já tinha tentado parar várias vezes. Nunca, porém, conseguia passar mais de quatro ou cinco dias. A única vez que consegui chegar a um mês foi há cerca de dez anos, em meio a um ataque de gastrite. Mas, passado o tempo, "uma latinha não vai fazer mal", "só no final de semana", "só no almoço". Como não havia ninguém além do próprio bom senso para impedir, o fracasso era dado.

Além disso, se há quem coma chocolate quando ansioso, eu tomava Coca, fosse no meio do trabalho, fosse no momento de escrever a dissertação, tarefa que acentuou os meus níveis de consumo nos últimos dois anos.

Apresentei a dissertação no dia 6 de abril, de forma virtual, como há de ser tudo nestes dias, e isso sem dúvidas trouxe um alívio depois de anos de dupla jornada diária, profissional e estudante, regadas a muito Coca-Cola.

Mas o desfecho desta jornada acadêmica não diminuiu o hábito. Pelo contrário, era almoço, janta e lanche, com as garrafas se acumulando ao lado do lixo nas primeiras semanas de quarentena. Da pressão dos prazos, ao enlouquecedor isolamento.

Esta não é a história mais fascinante do mundo, então encurto.

A coisa chegou no ponto que meu corpo estava tão envenenado que eu nem dormia direito mais. Sabe quando tu toma dois ou três latas de energético e, mesmo horas mais tarde, não consegue dormir? Essa era a minha rotina.

Não sei vocês, mas eu gosto de dormir. Entre aquele carinho na alma momentâneo e seis horas seguidas de sono, fico com a segunda opção, ainda mais no inverno.

E foi assim que eu resolvi parar de tomar refri, dessa vez, para valer.

Lá se vão mais de 40 dias sem Coca. A esposa, que compartilhava o hábito, parou junto. Ainda abrimos exceção para um guaraná aqui e ali, mas bem mais raro, porque um dos problemas das nossas tentativas anteriores era sempre "enjoar" das alternativas e voltar correndo na primeira saudade.

Já durmo melhor, bastante.

A barriga desinchou e o corpo dói menos.

A propaganda contrária é realmente verdade, vejam só, trata-se de um veneno. É, pois, uma pequena vitória. Insignificante no meio de tudo que está acontecendo, mas ainda uma pequena vitória nestes tempos em que tudo parece derrota. Faz bem para alma, e pro corpo.

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