Se quiser participar, é só mandar um e-mail pra organizadora em juliadantas@gmail.com pra combinar uma data pro teu relato. Os participantes estão em Porto Alegre ou abandonaram a cidade temporariamente para a quarentena.

20.7.20

Dia 125: por Clara Oliveira

cento e vinte e dois dias em isolamento social.

depois de tanto tempo, fica difícil pensar no que falar ou escrever. organizar as ideias e sentimentos não é tarefa fácil, especialmente quando se torna tarefa diária, constante, incessante. às vezes, durante o banho, me pego imaginando como seria escorrer pelas paredes como as gotas de xampu que escapam dos meus cabelos. escorrer feito água. escorrer por algum lugar, banheiro, quarto, sala, casa afora. escorrer e sair, mas em segurança. sem medo de cruzar com o vizinho que segue sem usar máscara nas áreas comuns do prédio; sem receio de encontrar o filho da vizinha, que é um amor e adora distribuir abraços, tornando mais difícil recusar o afeto gratuito e imerecido; sem o encontro com o olhar severo de quem vê como exagero os cuidados que tomo. ciente dos privilégios e possibilidades que tenho, opto por ficar em casa, usar máscara, lavar as mãos, fazer o mínimo - me importar.

por falar em se importar, tudo se tornou tão duro e ando tão à flor da pele que já não sei mais separar os aborrecimentos válidos dos desmedidos. ouço amigos dizendo que não há problema em sair, a vida precisa continuar, todos vão pegar uma hora, não é mesmo? sim. não. é complicado. a rotina nos atropela e a vida continua, sem dúvida, mas aos trancos e barrancos, do jeito que dá, afinal, ainda estamos aqui. por isso, ler o Diário tem sido reconfortante: não estou sozinha, ainda há quem também veja a gravidade disso tudo, dessa realidade paralela que nos engoliu e não pretende nos botar pra fora tão cedo. leio o Diário e penso: ufa. sinto o abraço dessa gente de muitas palavras, com suas angústias, chateações e pequenas alegrias, com seus tantos sentimentos mistos e compartilhados. sinto os abraços e desejo abraçar de volta, mas não tenho certeza se ainda sei fazer isso. tudo bem, não faz mal: abraço cada um em pensamento.

pensando em abraços, acabo de me dar conta de uma coisa curiosa: meu relato caiu hoje, num vinte de julho, data em que duas das minhas cancerianas favoritas comemoram aniversário, uma em cada ponta do país. há exatamente um ano, o dia transcorria normalmente, em mais um inverno frio, e minha noite já estava reservada pra aniversariante gaúcha, com direito a festinha, comes, bebes, música, gente aglomerada num salão relativamente pequeno, um esquentando o outro sem nem perceber direito – o de sempre. jamais poderia imaginar que, exatamente um ano depois, estaríamos fazendo comemorações virtuais, nessa modalidade cada-um-na-sua-casa, impossibilitados de dar aquele abraço forte e encher o aniversariante de beijos. que saudade dos meus amigos. que saudade do "de sempre".

(ao mesmo tempo, penso sobre o "de sempre" e o "normal", sobre até que ponto eram assim tão bons. não sei. sinto que me importo em excesso com as coisas, mas, a cada dia que passa, vejo que ainda não me importo o suficiente. talvez esse isolamento possa servir também pra repensar e criar alternativas, pra que o tal do "novo normal" seja mesmo novo, melhor.)

quando tudo isso passar, quero deixar pra trás o cansaço, os resmungos desnecessários, a melancolia que não me cabe, o medo que me atravanca. quando tudo isso passar, quero seguir fazendo o mínimo, que é me importar ao máximo. quando tudo isso passar, quero correr pros abraços, sem medo nem ansiedade. quando tudo isso passar, quando tudo isso passar, quando tudo isso passar. enquanto não passa, a gente segue do jeito que dá - gota a gota, passo a passo, com tropeços, mas sempre em frente. sigamos.

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