Se quiser participar, é só mandar um e-mail pra organizadora em juliadantas@gmail.com pra combinar uma data pro teu relato. Os participantes estão em Porto Alegre ou abandonaram a cidade temporariamente para a quarentena.

21.7.20

Dia 126: por Amanda Richter

Quarentena: um ensaio

Quando o isolamento social começou, eu achava que teria um pouco mais de tempo para ler e escrever. Estava errada. Todas as demandas aumentaram, a maioria ligada a leituras. Da graduação, as do tipo egoístas: provavelmente, terás que ler mais de uma vez, com atenção, para entender o que está ali.

Todos os clientes da agência, de repente, se deram conta do quanto o digital é importante e exigiram conteúdo como um urso que passou o inverno hibernando vai atrás de comida ao acordar. Foram dias vorazes.

Passei cerca de 2 meses nesse frenesi intenso de produzir conteúdo, ler materiais e participar das aulas, que pareciam infinitas. Não vou mentir: atrasei muitas coisas em boa parte das cadeiras.

Erro meu pensar que teria mais tempo durante o isolamento.

Eu queria muito adotar um cachorrinho e, finalmente, adotamos um filhote – agora que teríamos tempo de educa-lo. Mas eu não tinha previsto que o filhote demandaria tanto. Nem que eu teria que ficar com ele sozinha o tempo todo. O isolamento do Alisson acabou cedo. Apenas um mês e o trabalho já voltou, de novo exposto ao vírus todos os dias.

Acho que o pior desse isolamento é que, com o tempo tão lotado de tantas coisas, eu sinto falta de ler e escrever. Nunca foi um hábito sair de casa, adoro ler no conforto e segurança de casa.

Talvez ter morado tanto tempo em uma cidade pequena e sem criminalidade tenha me deixado mal-acostumada. Sair sem preocupações é um luxo que não se pode ter em Porto Alegre. Frequentemente, quando estou de férias, e tenho paz e tranquilidade, sinto saudades da última casa em que moramos em Ivoti: o quintal era praticamente do tamanho da casa, tinha uma árvore do tipo “mangueira” enorme, na qual meu pai prendeu um balanço feito de tábua de madeira e cordas rústicas, tinha duas ou três laranjeiras, entre as quais prendemos uma rede. É engraçado como um pedaço de terra que nem sequer é nosso possa ser tão querido na imensidão do planeta.

Sinto falta de encontrar um espaço assim em Porto Alegre, que seja pertinho, confortável e seguro. Preciso de um espaço meu para ler e escrever livremente.

A quarentena me fez pensar muito sobre isso. E a saudade de ler e escrever só cresce. O apartamento fica num bairro calmo de Porto Alegre, ouço os passarinhos cantando, os raios de sol da tarde entram pela janela, dando um toque dourado a tudo que toca. O filhote dorme aos meus pés e, no geral, há silêncio na rua, entrecortado pelo riso de uma criança de algum dos condomínios da volta. Mas ainda assim, o apartamento é pequeno, tudo está uma zona, desânimo e pressão por todos os lados. É impossível encontrar um cantinho de leitura nesse caos.

Eu gostaria muito de ter encontrado um café ou um parque para ler e escrever, como aqueles de filme. A vida pode parecer um filme às vezes, mas se fosse mesmo, eu teria que reclamar com o roteirista. Que raios de história é essa?

A quarentena em si não me incomoda. Eu gosto de estar em casa. Estou esperando ansiosamente que cheguem as férias e eu possa ler mais, e escrever mais. E gravar mais vídeos. Em meio a toda essa confusão, comecei a tocar um projeto que estava na gaveta há tempos: fazer vídeos para o YouTube e publicar. Muita ansiedade numa pessoa só. Queria me dividir em pelo menos dez “eu” pra poder fazer tudo que tenho vontade. Queria ver mais filmes também.

Esse isolamento de certa forma me fez voltar àquela menina de 12/14 anos, mais ou menos – meu auge criativo da adolescência, provavelmente. Foi uma experiência interessante. Desde aquela época eu já sabia que queria ser escritora, não sei muito bem por quê.

Ainda que não tenha conseguido mais tempo para executar os planos que tenho, a quarentena me possibilitou reerguer alguns hábitos e desejos antigos. As aulas foram grandes motivadores para alguns deles. Voltei a fotografar, comecei a gravar vídeos com assuntos que eu gostava de escrever em blogs, aprendi a editar os vídeos, voltei a desenhar – e até comecei a querer me aprofundar mais em mangás, animes e HQs. Descobri que HQs de não-ficção são extremamente interessantes.

São tantas as possibilidades para ser como uma escritora. São tantas as oportunidades e diferentes mundos que os professores nos apresentam. E quero experimentar cada uma delas ao longo da vida. Não sei muito bem como, e é assustador não ter um plano definido. Mas é sensacional assumir a identidade da profissão: eu sou uma escritora. Só levou 10 anos pra chegar aqui, e uma pandemia.

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