Se quiser participar, é só mandar um e-mail pra organizadora em juliadantas@gmail.com pra combinar uma data pro teu relato. Os participantes estão em Porto Alegre ou abandonaram a cidade temporariamente para a quarentena.

25.7.20

Dia 130: por Marcela Donini

"Mãe, como o tempo passa?"

Hoje, 25 de julho, faz 132 dias que eu não olho mais o app de previsão do tempo. Eu sei o que vem no dia seguinte: acordar, tomar café, fazer a mamadeira, brincar, requentar o café, brincar, cozinhar, almoçar, trabalhar e trocar de turno com meu marido, que, à tarde, passa a ser o responsável por corridas fantásticas e criação de cidades imaginárias. Tudo dentro de casa.

"Do que a gente pode brincar agora? Tem uma ideia nova?"

A chegada do Santiago, três anos atrás, me ensinou muito sobre gestão do tempo. Uma criança é uma âncora no presente. Não há nada mais urgente do que barriga vazia ou fralda suja. Talvez a falta de atenção.

"Se não parar de trabalhar, seu computador vai queimar, mamãe."

Somos dois adultos trabalhando em um apartamento onde o escritório é na sala, conjugada com a cozinha, e onde fica a única TV da casa. Santiago, antes na escolinha, nunca passou tanto tempo conosco, mas também nunca passou tanto tempo com um de nós presente mas dedicado a outra atividade que não suas demandas.

"Quantas horas é sete, zero, dois?"

Um estudo de 2017 da Universidade da Califórnia, em Irvine (EUA), diz que levamos 23 minutos para voltar nossa atenção a uma atividade interrompida por fatores externos.

"Mãe, onde tá o Foléti?"
23 minutos.
"Olha, mãe, achamos o parafuso verde que faltava pra montar a escavadeira!"
Mais 23 minutos.
"Mãe, você viu que o Rider chamou só o Rubble e o Chase pra essa missão?"

E lá se foi mais de uma hora do expediente, normalmente compensada à noite, depois que Santiago vai pra cama. Quando também temos a chance de ver um episódio de alguma série, de preferência curto para não sacrificar muito o sono.

"Hoje eu vou ficar acordado a noite toda!"

É verdade que, como tudo na vida, me acostumei a dividir a atenção entre meu filho e o trabalho durante o trabalho. Meu tempo de retorno à atividade interrompida é cada vez menor. Além disso, às vezes, uma gargalhada ou uma cafungada no cangote pós-banho no meio do expediente são pausas muito bem-vindas.

Às vezes, não.

Às vezes, há tensão. Ansiedade. O ciclo. O noticiário. Autocobrança. Estresse. Falta de paciência. Culpa.

Num desabafo dia desses, minha mãe acolheu meu sofrimento com a exaustão do combo home office + criança + pandemia + trabalhar com notícias. Mas me disse: "tu não tem que te culpar por trabalhar", conselho que eu já tinha lido num livro da Chimamanda Ngozi Adichie, mas que ganha mais força quando vem daquela que é a minha referência de maternidade. A dedicação ao meu trabalho é um valor que quero passar ao meu filho. Mas também quero ensiná-lo que há muitas outras coisas importantes na vida, como ele vem me ensinando.

"Para de mexer no celular, mamãe."

Santiago não só é uma âncora no presente mas um lembrete de que, por mais brutal que seja o coronavírus, a vida não foi suspensa como dizem por aí. Houve mudança de rota nos planos, é certo, ainda estamos fazendo ajustes.

"Mãe, larga esse celular!"


Mas a vida segue, e vai bem para nós. Ainda que nos falte poder "sair para qualquer parte", temos renda, casa, comida e até diversão e um pouquinho de arte. Nesses mais de 4 meses de isolamento, já comemoramos dois aniversários aqui em casa, o veículo onde eu trabalho cresceu e lançou novos produtos, e Santiago desfraldou e está aprendendo a ver as horas. Logo vai entender a diferença de urgência entre a pauta do dia e o parafuso perdido da escavadeira de plástico.

Vou poder, enfim, dizer para ele o que ele já me diz, em outras palavras:

"Algumas coisas podem ficar para amanhã".

Especialmente, se o amanhã for um domingo sem plantão.

2 comentários:

  1. Que texto fofo! Meu filho tá com 10... Confesso que tá mais fácil por aqui do que aí.

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  2. Muito bom o teu relato... força por aí!

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