Se quiser participar, é só mandar um e-mail pra organizadora em juliadantas@gmail.com pra combinar uma data pro teu relato. Os participantes estão em Porto Alegre ou abandonaram a cidade temporariamente para a quarentena.

1.8.20

Dia 137: por Ana Dos Santos

Acordei no meio de um sonho molhado... estava quase chegando lá...

Escuto o primeiro ônibus do dia passando, devem ser 05h00min, o motorista e o cobrador com certeza acordaram as 03h00min e já estão trabalhando. 

No meu privilégio de poder trabalhar em casa, viro paro o lado e tento dormir. Mas começo a lembrar da minha tripla jornada de mãe, dona de casa e professora. Ah, tenho que revisar um artigo pra pós, que parou também por conta da pandemia... Então, distribuo mentalmente as tarefas como: prioritárias, urgentes e “faço quando der”!

Abro os olhos, uma lagartixa está subindo pela parede... Eu também!

Assim como uma grande parte das pessoas ao redor do planeta, eu finjo que a vida agora está no “novo normal”. Me conecto ao ciberespaço, abro meus e-mails:
- Sôra, desculpa por não fazer o trabalho, é que fui assaltado ontem e levaram meu celular, não sei quando vou ter outro...
- Tudo bem, Breno, eu aguardo. Como você está? Te machucaram? Cuidado com a violência e cuidado com o vírus também!

Eu ia escrever “Fica em casa!”, mas lembrei que assim como ele, muitos alunos precisam trabalhar, pois os pais foram demitidos quando essa tragédia mundial começou. A exclusão digital está afastando um grande número de alunos da escola, assim como outros que devem ter se contaminado ou tiveram que cuidar de alguém doente na família.

Hoje já se passaram quatro meses de pandemia do Corona vírus, e eu permaneço em isolamento social. Já perdi duas amigas para o covid-19. Não pude me despedir. Também conheço outras duas que se contaminaram e conseguiram se curar. Lembro que a Rosa que está há uma semana com o teste positivo... sinto medo, começo a chorar....aproveito para chorar também por outras dores e perdas.

CAFÉ PARA CONTINUAR!
Vou ler as notícias, nada mudou!
Infelizmente o número de mortes continua crescendo: 90.000 pessoas!
Nossos governantes continuam mentindo e roubando o dinheiro do povo. 
Nada mudou!
SINTO FALTA DE AR!
NÃO CONSIGO RESPIRAR!
Já tive a impressão de que me contaminei 1000 vezes, mas limpei tudo há tempo.
SINTO FALTA DE AR!
NÃO CONSIGO RESPIRAR!
O racismo no Brasil continua matando pessoas negras a cada 23 minutos. Sempre sou seguida pelo segurança do supermercado, agora, com minha máscara, “Aqui estou, mais um dia sob o olhar sanguinário do vigia”.
CAFÉ PRA CONTINUAR!
SINTO FALTA DE AR!
NÃO CONSIGO RESPIRAR!
Estamos em 2021, mas nós negros, continuamos em 14 de maio de 1888.

Anoiteceu. E com os dias gelados, anoitece cada vez mais cedo. Troquei o dia pela noite.

Aqui na minha rua, depois das 20h não se vê uma viva alma, com exceção dos moradores de rua, que crescem em números exponenciais.

VINHO PRA RELAXAR!

Vou pra sacada no escuro. Gosto de observar os vizinhos. Já conheço suas rotinas e horários. Quando acabar esse isolamento, quero conhecer os que bateram panelas comigo quando havia esperança na justiça. Há dois meses as panelas silenciariam.

MAIS VINHO PARA RELAXAR!

Tem um vizinho no prédio da frente que gosta de tomar sol só de cueca. Ele também esquece a toalha quando sai do banho nu. Lembrei! Foi com ele que sonhei na noite passada.

A lagartixa continua subindo pela parede. Eu também!

2 comentários: