Se quiser participar, é só mandar um e-mail pra organizadora em juliadantas@gmail.com pra combinar uma data pro teu relato. Os participantes estão em Porto Alegre ou abandonaram a cidade temporariamente para a quarentena.

3.8.20

Dia 139: por Geórgia Santos

Nunca fui religiosa, os dogmas sempre me espantaram. Mas isso não impediu que eu cumprisse a saga da guria católica que calhou de nascer em uma cidade minúscula da Serra Gaúcha. Até porque, não tive escolha. 

No começo, fui batizada pelo Padre Marcelino quando ainda não podia me defender. Mas tudo bem, foi só um banho geladinho e tudo aconteceu muito rápido, no verão, no colinho da dinda e do dindo. O problema, mesmo, apareceu anos depois: a primeira comunhão. Àquela altura, eu não só sabia me defender como brigava com o pessoal da catequese todos os dias. A verdade é que eu não precisava estar lá, meus pais nem eram religiosos. Seu Jorge detesta padres até hoje. Para se ter uma ideia, quando a catequista ligava para minha mãe cobrando minha presença na missa de sábado, a dona Gertrudes sabia que não tinha moral para pedir que eu fosse: “Desculpe, eu também não vou, não posso cobrar isso dela. É com vocês.” Mesmo assim, eu era obrigada a ir. Porque todo mundo em Paraí, quando completava 10 anos, simplesmente ia. No fim, eu acabei frequentando a missa todo santo sábado porque disseram que se eu faltasse mais que três, eu precisaria fazer tudo de novo. Foram dois anos horríveis até o dia em que me autorizaram a comer uma bolachinha seca. 

Mas não para por aí, não. Ainda tinha mais dois anos de catequese até a Crisma. Sim, é isso mesmo. Quatro anos de catequese no total. Quatro anos construindo um ódio irreconciliável com a Igreja Católica. Quando finalmente acabou, eu lavei a alma. Literalmente. No dia da confirmação, enquanto esperávamos do lado de fora da igreja, caiu uma chuva tremenda e sem aviso. Ficamos encharcados e marchamos pingando pela nave. Para completar, eu estava de saia branca e uma batinha amarela toda fofa. SEM SUTIÃ. 

Eu poderia estar livre, mas não. Resolvi casar na Igreja, como uma espécie de concessão à minha família - na verdade, minha avó. Do meu jeito, é claro. Escrevemos nossos votos e o padre Volmir concordou em fazer uma cerimônia menos tradicional.  Mas não me arrependo, foi uma cerimônia cheia de amor. O problema é que eu precisei me confessar e o Padre Volmir tentou me convencer que fofoca era pecado. Muito pecadora, eu. 

Mas resolvi contar essa minha trajetória para vocês porque essa saga sempre me afastou da religião. Era sinônimo de sofrimento, de contradição, de sufocamento. Eu sempre vi o catolicismo como algo retrógrado, atrasado, um espaço cheio de muito preconceito, embora o Papa Francisco seja um passo importante na direção de uma igreja mais progressista. E, vamos combinar, não estou errada. Eu sei que na Igreja Católica há inúmeros movimentos políticos importantes, que foram fundamentais, por exemplo, no combate à Ditadura Militar. Mas vocês não imaginam que esses movimentos tenham florescido em Paraí, né? Então, sempre foi uma relação muito conflituosa. 

Isso não significa eu não enxergue beleza na religião. A Umbanda me encanta com a realidade dos Orixás, acho linda a tradição judaica, a doação islâmica, o autoconhecimento do budista e, sim, mesmo a devoção dos católicos. E essa beleza da religião tem florescido durante a pandemia. De uma forma triste, é verdade, mas ela está ali, nas mãos juntas de quem faz a oração, na mente tranquila de quem tem fé. 

Há 20 semanas, minha mãe espera que Deus nos guarde; minha avó reza para que todos tenhamos saúde; minha madrinha lê altos salmos para que todos fiquemos sob uma bolha de proteção. Eu acho bonito. Claro que eu reforço que Deus deve estar bastante ocupado neste momento e que, por via das dúvidas, é melhor usar máscara, higienizar as mãos com frequência e manter o isolamento. Mas eu acho bonito. É uma forma de seguir em frente diante de tanta tristeza, tanto desdém, tanto abandono, tanta morte. 

Por isso, eu resolvi fazer as pazes com a religião como uma forma de lidar com a ansiedade, a dor e a raiva que essa pandemia me traz. Resolvi fazer as pazes com a Igreja Católica para tentar espantar o ódio por quem coloca a vida dos outros em risco, a frustração por não ter um governo inteiro, o medo de perder alguém querido, a tristeza por quem já precisou passar por isso. Mas resolvi fazer isso do meu jeito. Ou seria à la Jesus? 

Como?

Eu faço pão e bebo muito vinho. 

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