Sempre gostei de tramas pós-apocalípticas. Filmes e livros – principalmente livros – em que as personagens são submetidas a situações extremas, caóticas, em que uma ameaça repentina subjuga a humanidade e o herói – alguém comum, como eu e você, que até então vivia uma vida tediosa – precisa enfrentar seus medos, reagir, tomar as decisões certas para continuar vivo e inteiro.
Não devo ser a única, vide o sucesso recente de Caixa de Pássaros (Bird Box, no original), de Josh Mallerman, ou de muitos livros de Stephen King (gosto especialmente de Sob a Redoma /Under the Dome e de Celular). Parte do fascínio, penso eu, é o fato de nos imaginarmos no lugar dessas personagens: e se fosse eu, trancada numa casa há dois, três anos, sem poder sair porque um perigo invisível e que não compreendo me aguarda lá fora? E se fosse a minha cidade que estivesse “presa” embaixo de uma redoma invisível, sem ninguém poder entrar ou sair? E se fosse eu, num mundo em que um pulso misterioso enviado pelos celulares enlouquece as pessoas?
Pois desde meados de março eu, você e boa parte das pessoas deixou o papel de quem observa de fora, na segurança de seu sofá, e entrou nas páginas de seu próprio romance pós-apocalíptico. Outros continuam transitando pelas ruas, por necessidade ou por ignorância de que o perigo, agora, é real. Talvez não seja nada tão espetacular como aviões explodindo e vacas sendo partidas ao meio pela redoma, nem pessoas transtornadas ao atender uma ligação ou ao olharem pela janela – e talvez seja aí mesmo que resida o problema, nessa aparente normalidade. Não vemos sequer exércitos de homens vestidos com roupa protetora pelas ruas, como nos filmes norte-americanos de contaminação e quarentena...
O que vemos somos a nós mesmos em casa – no conforto de nossas casas –, esperando. Esperando que o vírus se vá. Esperado que um remédio milagroso apareça. Esperando que se encontre a vacina. Esperando que todos façam a sua parte. E, aos poucos, enquanto olhamos pela janela e vemos crianças brincando sem máscaras, ruas cheias, futebol retornando, pensamos se não fomos nós que enlouquecemos. Se a leitura daqueles livros não nos fez pensar vivemos num deles.
Por sorte, sabemos que há outros como nós, que vivem o mesmo confinamento. Com as mesmas dúvidas. Com a mesma saudade da família, não vista a meses. Com o mesmo medo e as mesmas precauções para o que antes seria uma simples ida ao supermercado. Por sorte, o distanciamento não impede a amizade – aliás, até promove o reencontro, virtual, de amigos não vistos há anos, e agora mais perto do que jamais foram. Por sorte, ainda temos os livros, e os filmes, embora nem sempre se tenha a concentração necessária (escrever, por exemplo, parece uma tarefa árdua como nunca antes foi). Por sorte, temos a tecnologia, e embora eu não a veja como a panaceia para todos os males, ela tem sido de grande serventia.
Enfim, por mais que o mundo não esteja em escombros, eu, você e muitos mais sabemos que o inimigo desta guerra é real (embora pareça surreal). Mas também sabemos que essa é a hora de sermos fortes, e de nos mantermos vivos. Porque, como os livros e os filmes também ensinam, não importa qual for o perigo, no fim a humanidade sempre sobrevive, e se reconstrói.
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