Se quiser participar, é só mandar um e-mail pra organizadora em juliadantas@gmail.com pra combinar uma data pro teu relato. Os participantes estão em Porto Alegre ou abandonaram a cidade temporariamente para a quarentena.

6.8.20

Dia 142: por Helena Terra

Tanto faz. Mas, essa manhã, resolvi caminhar mais cedo. Sim, eu caminho alguns quilômetros - de tênis, filtro solar, fones de ouvido e máscara - por orientação médica.

A máscara me esquenta as bochechas mesmo em dias frios. Nos quentes, me faz sentir um leitãozinho com uma maçã na boca pronto para ir ao forno. O que é estranho porque sou o dedo fininho do Joãozinho dos contos da linda casinha da bruxa ou uma magricela mesmo.

Antigamente, no tempo das serenatas, uma magrelinha como na música. Para receber uma serenata, a pessoa precisa morar em uma casa. Moro em um décimo andar. Empilhada como quase todos nós. E gosto.

Não gosto dos vizinhos do apartamento de cima. Arrastam móveis vinte e quatro horas por dia sete dias por semana. E falam alto. Eufemismo para gritarias. Antes da quarentena pareciam civilizados.

Eu comecei a minha, agitada, acreditando no fim do mundo, porém dentro dos limites do meu apartamento. Se o meu apartamento falasse, não seria um problema. Talvez, ele fizesse leves fofocas a respeito de algumas insônias, de uns breves cochilos, de uma quase paixão frustrada ou frustrante, de outra em andamento e de algumas preguiças, poucas porque tenho inclinação para obsessiva, e limpar, lavar, arrumar etc. acariciam a minha cachola.

Tenho também inclinação para ler e escrever. Bastante.

Então, tal qual ontem e antes de ontem e antes e antes todo o meu passado, hoje li, e o livro escolhido foi o “Das coisas que eu disse enquanto você dormia”, da Ana Moraes.  Terceira vez com ele. Eu sou uma pessoa repetitiva e persistente. Poderia estar no elenco do “Feitiço do tempo”, prestigiando o dia da marmota. E poderia também não estar porque adoro novidades. 

E como novidades não acontecem a toda hora desde que eu nasci e, em quarentena, menos ainda, eu as coloco na minha rotina. A frase “a rotina tem seu encanto” me coloca na vida. Eu me vivo usando a imaginação e recorrendo às muitas formas de arte para me auto encantar. Escrever, talvez porque seja a parte que me cabe desse desmundo, escrevo todos os dias. Eu escrevo para me viver.

Eu me vivo, tu te vives, ele não, nós nos vivemos. Nós, os sobreviventes do vírus, dos noticiários e do feudo. Não é fácil sobreviver no feudo. A gente sabe. No feudo, a palavra falta está sempre presente. Falta, injustiça, desigualdade, desamparo, ganância, indiferença, abuso, manipulação, morte e muitas outras. Um glossário de más palavras nadando com o ano em uma piscina olímpica de maldades. Eu penso sobre elas, sobre os maus e tudo o mais. É inevitável. No entanto, minha concentração dedico aos bons. Acredito em sua potência e, como não sou religiosa, faço deles a minha oração. Deles e dos poemas, porque sem poemas, bah, sem poemas, nada tem graça.

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