Se quiser participar, é só mandar um e-mail pra organizadora em juliadantas@gmail.com pra combinar uma data pro teu relato. Os participantes estão em Porto Alegre ou abandonaram a cidade temporariamente para a quarentena.

17.8.20

Dia 153: por Mauro Duarte

Bal Masqué

A exemplo do antigo anúncio de sutiã, a primeira máscara ninguém esquece. Foi num supermercado - ao menos, economizei R$ 5, ou sei lá quanto custa, pois veio de graça. Primeiro, questionaram se eu não tinha alguma no carro, quando descobriram que nem carro possuo. Saí por outra porta, com receio de que quisessem pegá-la de volta.

Me senti num baile carnavalesco; e olhem que detesto carnaval! Até porque devo tê-la colocado torta, o ar começou a escapar por cima e embaçou os óculos, graças ao que não enxergava as etiquetas e, por pouco, não saberia sequer pra que lado ficava o supermercado. Comecei a suar muito ao redor da boca, o que me acontece normalmente nos semiveranicos, só que com o agravante do artefato. Pra completar, o disfarce acentuou uma rinite alérgica obstrutiva e, mesmo sem vírus, senti falta de ar. Ainda bem que não espirrei, ou correria gente pra todo lado...

De qualquer forma, me esforcei pra chegar em casa daquele jeito e me acostumar duma vez com os novos tempos, porém me livrei dela mal cruzei o portão. Percebi, no caminho, que essa estética mascarada é apavorante porque deixa todo o mundo com cara de dentista... Parece que vão te aplicar tratamento de canal a qualquer momento; no caso, o endodontista, ou periodontista, ou ortodontista, ou cirurgião maxilo-buco-facial? Sei lá. Quando eu quase não precisava deles, acho que só havia um profissional, que fazia tudo. Hoje, nem sabemos qual escolher. Máscara, nos gibis e desenhos animados, era adereço de bandido - só lembro um mocinho que a usava parecida com a atual, o Durango Kid, em seriado tardio que passava na TV preto-e-branco, plena de chuviscos. Por símbolo de hipocrisia não passa mais; quem as ostenta está sendo descaradamente sincero.

Gentileza do supermercado. Gentileza? Pragmatismo. Sabem que, se me barrassem na porta, eu nunca mais voltaria, como naquela rede estrangeira que está abandonando o Brasil. Fui xingado só porque descobri onde escondiam o jornal de domingo, enquanto tentavam vender o de sábado. Pode? Na cabeça da funcionária burocrata que alegava a necessidade de carimbá-los, o tio aqui estava furtando, ou conspurcando uma sacratíssima rotina da atividade-meio, que de repente fica mais importante que a atividade-fim - se não me engano, a de vender. Ou carimbar é a atitude precípua? Normalmente, outra moça, bem mais simpática, me "salvava" e permitia levar o artigo, mas, na última vez, a ríspida passou da conta.

Venho da periferia; a gente suspeita de presentes, sempre achando que estão envenenados, contaminados, enfeitiçados ou condenados à devolução, mal se começa a usar. Ando com ela até hoje, mesmo sob advertência de que pode ser descartável. Lavei diversas vezes e, quando os enfeites de orelha que a seguram ameaçaram ficar flácidos e soltá-la, apliquei duas voltas, como naquelas borrachinhas de dinheiro - quero ver que elástico seguraria um bitcoin... Por sinal, no Brazilian English, dialeto 'pidgin' cada vez mais usual, a gente fala "beachcoin", moeda da praia - ou, pior, "bitchcoin", moeda da p... (expressão politicamente incorreta que não utilizarei aqui, pra não afrontar o neopuritanismo de direita ou de esquerda - ou, breve, alguma igreja pentecostal e algum partido marxista estarão me xingando juntos). Bem o Golbery do Couto e Silva afirmava que, em política, os extremos se aproximam como na ferradura...

O microrganismo chinês, imitando tantas bobagens na rede, tais como a 'influenza' digital, viralizou mesmo... Legítima Gripe Espanhola II / O Retorno, trocou a Belle-Époque pelo Pós-Modernismo, capaz de ressuscitar até o liberalismo econômico daqueles tempos; ou algum caçador de cacófatos a implicar com os meus sucessivos "ismos", inevitáveis no sismo, no abismo e no terrorismo que enfrentamos. Finjam que é rima poética... Quanto ao 'laissez-faire' econômico, sepultado indignamente na década de 30 como coisa antiga, ressurge magnífico na de 80, como troço moderninho e inédito. Meus quatro avós, que não estão mais aqui pra confirmar, devem ter enfrentado aquela infecção ibérica quando crianças, mesmo que habitassem um fim de mundo rural e pouco soubessem do mundo lá fora - inclusive quando, alguns anos depois, se escondiam de ximangos ou maragatos, pragas endêmicas.

Ademais, na incipiente e insipiente medicina da época, ou na arrogância 'high-tech' da nossa, a situação é idêntica: estamos reféns dum bichinho, ou duma porcariazinha que nem sei onde se enquadra e nos dribla o tempo todo, como em 1918. Não sabemos sequer enfrentar o vírus da gripe comum, que nos supreende todos os anos sob nova forma, e os otimistas de plantão já falavam em viver 150 primaveras... Aplicativos que nos colocariam em contato direto com o "nosso" médico, como se todo o mundo tivesse o "seu" médico! Pois o tal médico (cubano, inglês ou selenita), até o momento, pelo que conheço, não sabe lidar com o vírus coroado - e olhe que já são 22h55min. Em plena revolução genética, levamos uma surra dum DNA com casca, mesmo perfeitamente sequenciado.

Já repararam como o vírus é bonito? Ao menos no site noticioso em que o acompanhava no início, parecia um arranjo floral para o casamento da Rainha da Inglaterra. Depois, parei de curingar as novas porque o assunto vinha sempre igual - fiquei sabendo da briga Moro/Bolsonaro, aliás, pela vizinhança. No meu tempo, seria um bicho feio, mas, com a ideologia de gênero, os comunistas nos oferecem um Covid 19 enfeitado e traiçoeiro! Ou foi ideia do Pentágono pra destruir a economia chinesa? O bom das teorias conspiratórias é que todas funcionam; basta escolher a sua. Na ficção, diga-se de passagem, os alienígenas inescrupulosos e invencíveis de 'A Guerra dos Mundos' são implacavelmente aniquilados pelos nossos microrganismos. Ainda bem que não somos extraterrestres. Ou somos?

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