Se quiser participar, é só mandar um e-mail pra organizadora em juliadantas@gmail.com pra combinar uma data pro teu relato. Os participantes estão em Porto Alegre ou abandonaram a cidade temporariamente para a quarentena.

21.8.20

Dia 157: por Bebê Baumgarten

Amanheceu um dia frio e ensolarado. Há episódios de neve na Serra estampando os jornais. As pessoas lá, paradas no frio, olhando minúsculos flocos de neve. O repórter mostra empolgado a ‘aglomeração’ de meia dúzia de gatos pingados na friagem da noite de agosto. Há pouco era quase primavera no sul do Brasil. Definitivamente, 2020 é um ano para os fortes e nada é o que parece. Olho pelas janelas. Espio lá fora os ônibus, o movimento dos passantes que na minha rua sempre foi intenso, a despeito da pandemia que assola o país e o mundo. Tudo segue sua ordem na Medianeira. Olho as outras janelas, as de dentro. Meu quintal floresce e os primeiros raios de sol já alcançam as lajes do fundo. Em breve o sol virá até o meio do pátio e, de mansinho virá mais e mais até inundar a soleira da porta no verão.

Os ângulos se impõem. Pensar que se tem a vida pela frente ou uma vida inteira atrás é como pensar que se viveu mais um dia ou perceber que se tem menos um dia de vida pra aproveitar. Tudo se resume ao olhar, ao prisma. No dia 157, reflito sobre minhas urgências enquanto observo os botões de magnólia florescendo no meu quintal. Ali, embaixo daquela árvore, eu brincava na infância enquanto minha mãe tratava das coisas da casa. Era uma planta pequena, um arbusto. Hoje tem muitos caules e ramificações. Também eu era uma planta pequena e sou assim hoje, cheia de caules, raízes e flores. Quisera poder exibir minhas flores na rua, tal qual a magnólia e seus botões cor de rosa, cabeça erguida, vestido estampado e casacão, um par de botas e o andar seguro e elegante. A paisagem passando em volta como um filme em câmera lenta. Na trilha sonora “Dos gardenias”, na versão do Buena Vista Social Club. A cabeça balançando levemente ao som da música e um sorriso muito discreto, quase imperceptível, aos olhos dos outros humanos que cruzam por mim. Me encolho com a gata Mathilde no sofá, ambas enroladas no cobertor vermelho com a estufa aos nossos pés.

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