Se quiser participar, é só mandar um e-mail pra organizadora em juliadantas@gmail.com pra combinar uma data pro teu relato. Os participantes estão em Porto Alegre ou abandonaram a cidade temporariamente para a quarentena.

25.8.20

Dia 161: por Bruno Polidoro

máquina de lavar 

Um som me acompanha há 173 dias: o ruído das máquinas de lavar roupa. Nas primeiras semanas era incessante: em qualquer janela do apartamento o tremer das roupas reverberava. Minhas janelas dão para outras janelas, não vejo o céu. A repetição da paisagem fez meus olhos se entediarem: começaram a despertar os sons.

Alguém assobia. Um cigarro é aceso (adoro o som de fricção do isqueiro!). Ouço panelas que batem na pia, fragmentos de conversas, mensagens de voz, alguma tevê. Não há relógios que tocam. Não ouço os despertadores. O novo tic-tac quem faz são as máquinas de lavar. 

De repente, é madrugada. Leio bell hooks, o vizinho do 403 abre uma lata de cerveja. O sino que vem lá da Redenção toca, me detenho na melancolia de uma sombra projetada – e escuto um resquício de máquina.

Tento ouvir alguma música oriental. A quarentena faz com que os fones de ouvido sejam uma própria extensão de mim. Sento na mesa e coloco os fones – muitas vezes sem som algum saindo do computador. Cria-se o hábito. Acordo, café, abrir o computador, fone de ouvido. Máquina de lavar.

Tornou-se um desespero agradável. O ruído da máquina como um mantra: traz calma. Lava o tempo. Marca o passar das horas. Mistura-se com a chuva. Os dias se enxaguam e se repetem. 

Enfim, domingo e tem sol. As janelas são abertas: e a máquina já está a trabalhar.

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