Se quiser participar, é só mandar um e-mail pra organizadora em juliadantas@gmail.com pra combinar uma data pro teu relato. Os participantes estão em Porto Alegre ou abandonaram a cidade temporariamente para a quarentena.

25.9.20

Dia 192: por Matheus Borges

Sinto que já não há nada de muito original que possa ser dito a respeito do período que atravessamos. Além disso, estar privado do contato com o mundo em geral é algo muito grave para quem escreve. Alijado das experiências do cotidiano, perde-se o interesse pelas coisas. Em resumo, torna-se muito difícil escrever sem as banalidades da dimensão social da vida. É como dar partida num carro sem combustível, repetidas vezes.

Um aspecto do isolamento que não vejo muita gente comentar é o de como essa impossibilidade de novas experiências condiciona nossa cabeça a remoer eventos do passado. É um efeito colateral possível de ser observado em qualquer feed de rede social, onde as throwback thursdays transbordaram e passaram também a ocupar outros dias da semana. Dezenas, centenas de lembranças de nossos amigos. Também entram nessa lista as incontáveis reprises que tomaram conta das emissoras de televisão, como que segurando um espelho que reflete o passado. Invariavelmente, tomamos isso como sinal de que nossos melhores dias ficaram para trás.

Faz alguns meses que tenho me sentido nostálgico e eu odeio nostalgia. Compreendo que é um sentimento perigoso, capaz de gerar ressentimento, as mesmas convicções que possibilitaram a ascensão do obscurantismo autoritário que tomou conta do país. Não apenas isso, também é um estado de espírito inútil. Afinal de contas, a flecha do tempo só tem um caminho. Adiante, adiante, nunca para trás. Sinto-me patético quando me pego remoendo o passado, quando me flagro tentando lembrar de como já fui. Tomar consciência da nostalgia é o primeiro passo para exorcizá-la, claro, mas é também constrangedor.

No fundo dos devaneios, ecoando como ruído branco, está a ponderação da felicidade. Será que fui mais feliz em outros tempos? Será que algum dia já fui feliz? Será que algum dia serei feliz novamente? Será que algum dia compreenderei a felicidade no instante em que a vivencio? Porque é elementar da nostalgia condicionar o ideal de felicidade a algo que só pode ser compreendido em retrospecto. Essa felicidade, desconfio, não passa de uma ficção atribuída à memória pelo próprio ato da lembrança. Quanto mais peso os fatos contra o êxtase nostálgico, mais evidente fica a inclinação da memória de recuperar os eventos como poderiam ter sido e não como de fato foram.

Um pouco de raciocínio bruto, sensato, desprovido de sentimentalismo, e a resposta para todas as perguntas é um categórico não. A felicidade é o fantasma que assombra nossas vidas. Inutilmente o perseguimos um dia após o outro, enquanto ele atravessa paredes e desaparece no horizonte, justamente quando parecia tão próximo. A nostalgia, em contrapartida, é um segundo fantasma, que corre atrás de nós enquanto perseguimos o primeiro, dizendo “estou aqui, sempre estive aqui, por que você não me notou antes?”.

De qualquer maneira, segue abaixo uma breve lista de coisas que me provocaram acessos de nostalgia ao longo dos últimos meses:

Comerciais da TV Manchete;
Vídeos do Brizola em geral;
O videoclipe de “Lazy Eye”, da banda Silversun Pickups;
O álbum Fever to Tell, da banda Yeah Yeah Yeahs;
A canção “Kim & Jessie”, da banda M83;
O conto “The last lawn of the afternoon”, de Haruki Murakami;
Uma fotografia minha num show da banda Autoramas no Porão do Beco em 2012;
Uma fotografia minha bebendo uma garrafa de Skol em 2009;
O filme Bill & Ted Face the Music;
Rever o filme Starship Troopers, de Paul Verhoeven, depois de muitos e muitos anos.

É isso. Que a nostalgia esteja devidamente exorcizada.

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